domingo, 24 de março de 2013

Morte cerebral e morte na bíblica - conceitos incompatíveis?

Eduardo Ribeiro Mundim


Em uma recente polêmica no espaço do leitor (n 1, n 2, n 3), foram levantadas algumas questões envolvendo a doação de órgãos e a morte cerebral. A opinião mais assertiva foi “extrair órgãos de alguém declarado 'encefalicamente morto'(sic), ou 'percentualmente morto'(sic), ou 'parcialmente morto'(sic), ou 'fracionadamente morto'(sic), ou 'semimorto'(sic), ou 'quase-morto'(sic), constitui uma inaceitável aberração, MÁXIME NO ÂMBITO E SOB A ÓTICA BÍBLICO-CRISTÃ.”

É esta a questão que quero discutir.

As Escrituras usam o termo “morte” em dois universos: a morte física e a espiritual. A primeira, decorrente do processo de viver (pode ser discutido se esta morte existia no Éden ou não, se é punição pelo pecado ou não). A segunda, inquestionavelmente, punição pelo pecado. A primeira, uma porta; a segunda, uma “existência” (ou “não-existência”).

As Escrituras não dizem como diagnosticar que alguém está fisicamente morto; mas ensinam como cada um pode se perceber espiritualmente vivo, ou morto.

A morte sempre foi vista como um fato simples, até há algumas décadas. Um moribundo estava mais próximo da morte, mas estava vivo. Quando seu coração não mais batia, estava morto. Imediatamente? Alguns segundos depois?

Buscando novas formas de tratamento, passou a ser possível sustentar pessoas incapazes de respirar por si mesmas, ou incapazes de manter a circulação funcionando sem medicamentos específicos, ou incapazes de se manterem conscientes por um tempo. Foi percebido que a morte biológica é um processo contínuo, que pode ser retardado, mas nunca evitado. Foi percebido que é possível manter a circulação e a respiração, mas não a consciência em nenhum nível. Caso o suporte cardiorrespiratório cesse, a morte como sempre foi percebida ocorre.

Ainda que questionável em diversos aspectos, morte cerebral significa exatamente isto: não há possibilidade do cérebro retomar nem um mínimo de funcionamento que for. A circulação e a oxigenação (não respiração) ocorrem de modo artificial – se os meios que os mantém forem suspensos, a desintegração biológica do corpo terá início (a morte “clássica”).

Não há “quase morto”, ou “percentualmente morto” - há um processo contínuo que pode ter sua velocidade modificada.

Neste momento entra a doação de órgãos: não existe a remota chance do cérebro retomar a consciência no seu nível mais elementar (uma das definições de morte cerebral, que pode ser questionada) e as atividades vitais são sustentadas exclusivamente pelo uso da tecnologia. É o evitamento da consumação, inevitável, da morte física (e não espiritual, decidida antes).

É neste hiato que a doação, eticamente efetuada, em acordo com os procedimentos legais instituídos, ocorre.

E não foi apontado por quê esta prática contraria as Escrituras. Apenas foi pontificado que contraria, mas as razões não foram dadas.

A bíblia:
- não traz proibição nem implícita nem sugerida à doação de órgãos;
- explicita a necessidade do cuidado mútuo, da solidariedade, do cuidado com o mais fraco e desafortunado;
- ensina a ressurreição de todos, e é sólida a interpretação de que novos corpos, que não guardam continuidade com o já desaparecido, serão dados

Repito a pergunta: onde está a incompatibilidade?

quarta-feira, 20 de março de 2013

Eu me neguei a soprar o bafômetro


Autor: 
 
Coluna Econômica
Quase meia noite, uma blitz da Policia Militar me manda parar o carro. Saio e sou abordado por um sargento que quer que eu faça o teste do bafômetro. Recusei, apesar de não ter bebido. A intenção foi saber o que acontece com os que se negam a soprar.
***
O problema surgiu quando se constatou que nenhuma pessoa estaria obrigada a soprar o bafômetro. Para corrigir a lacuna, foi promulgada a chamada Lei Seca, com alguns absurdos (como o mínimo de 0,3 de álcool no sangue).
O motorista que recusar a soprar o bafômetro terá que assinar um termo. Se apresentar sinais visíveis de embriaguez - e apenas nessa situação - será autuado e submetido a uma perícia médica.
Voltemos à minha história para entender o que está ocorrendo na prática.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Doação de órgãos, transplante de órgãos e a ética bíblico-cristã

Eduardo Ribeiro Mundim


Doação/transplante de órgãos pode ser realizada através de um doador vivo, ou falecido. Constitui-se uma forma última (no sentido de não existir alternativa melhor) para tratamento de diversas doenças, que têm como ponto comum a possibilidade de levar a pessoa doente à morte em um intervalo de tempo menor do que poderia ser.

O tratamento da pessoa doente tem pelo menos um de dois objetivos: aliviar um sofrimento (seja agudo ou crônico) e adiar a morte quando possível.

Habitualmente a função do transplante (e a transfusão de sangue é um transplante de órgãos) é postergar uma morte que pode ser adiada. Sua realização ética pressupõe uma série de aspectos a serem observados. E dentre inúmeros, há a imperiosa necessidade, por respeito ao doador, que a pessoa receptora tem de estar em estado de saúde tal que sua vida seja eficazmente prolongada - moribundos não são candidatos a receptores!

Ao tratar uma pneumonia em um idoso com antibiótico evita-se um óbito na grande maioria das vezes. Seria ético não tratar? Pode ser pensado que a morte nada é, que o cristão não a teme (e talvez a deseje, como Paulo chegou a escrever) - neste caso, o cristão não deveria procurar tratar a sua saúde, nem minorar o seu sofrimento, pois tudo está sob a soberana supervisão de Deus. É possível subscrever este raciocínio?

Onde está a indignidade da morte quando os recursos tecnológicos disponíveis são utilizados de forma ética e responsável? Conheço situações de absoluta conduta ética até aquelas de imperdoável obstinação terapêutica. Desconheço estudo que mostre qual é o que predomina, mas minha vivência como profissional de saúde desde 1986 percebe ser muito maior a preocupação pelo correto proceder que pela insistência desumana.

É lícito e necessário discutir-se o que significa "morte cerebral" - termo ou situação sobre a qual as Escrituras dizem absolutamente nada.

Sim, somos humanos, e lá no fundo, se estamos na fila de transplante de coração ou córnea (que exigem doador morto) há alegria na morte de alguém quando serei beneficiado. Vamos seriamente nos atrever a julgar a complexidade de sentimentos nesta circunstância? Vamos seriamente condenar tal pessoa por vivenciar estes sentimentos de uma forma frequentemente carregada de culpa?

O transplante eticamente realizado é a celebração da vida sobre a morte, é a morte de um prolongando a vida de outro. Ou, se preferir, tirando a frase do seu contexto, "ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos".

As distorções existentes, como parece haver no Hospital Evangélico (note bem, evangélico) de Curitiba, não podem ser toleradas, incentivadas ou deixadas sem punição. O não respeito à vontade do falecido por parte da família, que em vida expressou claramente seu desejo de ser doador, também não poderia ser tolerado, incentivado ou tratado com naturalidade.

A não doação de órgãos viáveis, para pessoas corretamente identificadas como receptoras, obedecendo aos critérios públicos de prioridade (ou "fila", se preferir), é que se constitui uma negação dos princípios básicos do Evangelho: doar vida para que o próximo viva, para que o fraco seja fortalecido. Sem esquecer que sempre que um recurso bolado por nós beneficia alguém, principalmente de forma ética, o Nome do Senhor é engrandecido, Sua graça comum distribuída, Seu amor insondável e misterioso proclamado.

Não é possível suportar o assassinato como forma de angariar órgãos; não é possível suportar pastores que não proclamam o perdão dos pecados pela cruz de Cristo, mas a via do enriquecimento fácil pelo suborno (?!) de Deus Pai.

Não é possível suportar quadrilhas que vituperam o correto exercício da medicina traficando órgãos; não é possível suportar políticos que são tão evangélicos quanto lobos, e que usam de um discurso fácil e raso para se manterem confortavelmente aboletados nos seus mandatos.

Não é possível enxergar no profissional médico um assassino serial frio e calculista (ainda que exista); não é possível enxergar no pastor e no missionário um falsário e um farsante (ainda que exista).

Por último, no meu país a baderna, a criminalidade generalizada e a corrupção deslavada e impune não são a tônica! Ou se o são, também assim é na Argentina, nos Estados Unidos, na Itália, na Grã-Bretanha, na Austrália, para citar apenas alguns.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Carta Aberta acerca da Presidência da Comissão de Direitos Humanos

Não havendo sábia direção, o povo cai, mas, na multidão de conselheiros, há segurança. (Provérbios 11.14)

Prezados irmãos e prezadas irmãs,

Nós, pastores, pastoras e líderes evangélicos de organizações envolvidas com a agenda dos Direitos Humanos, escrevemos esta carta aberta para pedir sua intervenção nos recentes acontecimentos relacionados à nova composição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
Constatamos, surpresos, que 12 dos 18 membros da Comissão são membros de Igrejas Evangélicas, o que representa grande responsabilidade para nós, pastores e líderes evangélicos envolvidos com esse tema. Entendemos que este momento representa uma oportunidade concreta para a promoção e a defesa dos direitos dos mais vulneráveis e das minorias. Nesse sentido, é preciso tanto uma postura de escuta à Deus e à sociedade, quanto a certeza de que os espaços de poder ocupados precisam ser utilizados principalmente como espaços de serviço.

No entanto, o quadro que assistimos no processo de eleição da presidência da Comissão foi desolador. Não se trata aqui de pré-julgar o presidente recém-eleito, mas não há como desconsiderar seus vários comentários públicos sobre negros, homossexuais e indígenas, declarações que inviabilizam a sustentação política de seu nome entre os que atuam e são sensíveis às temáticas dos Direitos Humanos.

A Igreja Evangélica brasileira experimenta um momento singular, com a enorme responsabilidade de ter vários parlamentares atuando na CDHM que foram apoiados oficialmente por diferentes denominações, situação que abre a possibilidade de que – caso haja mudanças na presidência da comissão e uma postura condizente com a função – seja dada uma importante contribuição ao campo dos Direitos Humanos no País. Para tanto, é fundamental que o clima de conflito e mobilizações contrárias à nova presidência seja dissipado. Por essa razão, redigimos esta carta como um apelo, na esperança de que os líderes das Igrejas considerem orientar seus fiéis que atuam como parlamentares – que elegeram a nova composição da Comissão -, para que atuem na resolução deste conflito.

O ano de 2013 pode trazer avanços nos trabalhos da CDHM e por isso fazemos este apelo aos líderes das igrejas que apoiaram os parlamentares evangélicos. Nosso pedido, aliás, se junta à conclamação de vários setores da sociedade e perpassa não somente movimentos ligados às lutas de minorias, mas também a OAB e diferentes indivíduos e organizações. Cumpre discernir que não há uma perseguição aos evangélicos; há, sim, uma situação de conflito que precisa ser equacionada, especialmente porque, para nós, o compromisso do Evangelho com os mais pobres e vulneráveis é central. Ainda há tempo para a indicação de um novo ou nova parlamentar que, a despeito de suas convicções, traga pacificação e consenso à sociedade brasileira, presidindo a CDHM com a isenção esperada. É tempo para nova disposição, numa postura aberta, a fim de que seja viável a indicação pelo PSC de um outro nome, que não possua tamanha rejeição.

Urge que os irmãos, pelas posições que ocupam, façam um firme e público pronunciamento para a sociedade e para os fiéis de suas igrejas com relação à defesa dos direitos humanos e à importante contribuição que a comunidade evangélica pode oferecer a este tema. Nossa oração é que exemplos históricos como os do Pr. Martin Luther King Jr., do Rev. Jaime Wright e do Bispo Desmond Tutu possam inspirar e servir de referência para a atuação dos vários parlamentares evangélicos na CDHM, levando-os a se posicionar ao lado dos que sofrem injustiças.

Prezados irmãos, escrevemos aqui sob o temor ao nosso Deus e conscientes de que há um caminho de consenso para esta situação. A ninguém, muito menos aos direitos dos que sofrem, interessa que esta disputa entre posições extremas prossiga.

Em Cristo, despedimo-nos,

Adriano Trajano – Pastor Batista
Alessandro Rodrigues Rocha – Pastor Batista
Alexandre de Silva – Pastor Igreja do Nazareno
Ana Paula Calixto – Irmã Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo – Ministério Profético
André Sidnei Musskopf – Escola Superior de Teologia/EST
André Tadeu de Oliveira – Licenciado Presbiteriana Independente
Anivaldo Padilha – Koinonia
Antônio Carlos Ribeiro – Pastor Luterano
Ariovaldo Ramos – Pastor Batista
Bruno Santos Nascimento Dias – Rede FALE Rio
Caio Marçal – Missionário Rede Fale
Carlos Alberto Bezerra Junior – Pastor da Comunidade da Graça
Carlos Alberto Rodrigues Alves – Reverendo Presbiteriano
Carlos Eduardo Calvani – Reverendo Episcopal Anglicana
Carlos Eduardo Mattos – Pastor Metodista
Carlos Jeremias Klein – Reverendo Presbiteriana Independente
Carlos Queiroz – Pastor da Igreja de Cristo
Christian Gillis – Pastor Batista
Cleber Diniz Torres – Reverendo Presbiteriana Independente
Clemir Fernandes Silva – Pastor Batista
Daniel Costa – Capelão Igreja Batista El Shadai
Daniel de Almeida e Souza Jr – Pastor Batista
Daniel Souza – Rede Ecumênica da Juventude (REJU)
Djalma Torres – Pastor da Igreja Evangélica Antioquia
Douglas Rezende – Rede Fale Paraná
Éber Ferreira Silveira Lima – Ministro Presbiteriana Independente
Edson Igre Insarraldi – Pastor Batista Aliança Biblica
Eliandro Viana – Pastor Batista
Francisco Simão Neto – Pastor Assembléia de Deus
Francisco Thiago de Almeida – Igreja Metodista
Geter Borges de Sousa – Evangélicos Pela Justiça/EPJ
Jefferson Ramalho – Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos
Jefferson Silva – Pastor Batista
John Medcraft – Pastor da Ação Evangélica
Jonathan Menezes – Pastor Presbiteriano
Jony Wagner de Almeida – Pastor Presbiteriano
Jose Antonio Gonçalves – Pastor Presbiteriana independente
Jose Romulo de Magalhaes Filho – Pastor Presbiteriana Independente
Josias de Souza Novais – Pastor Batista
Julio Paulo Tavares Zabatiero – Faculdade Unida de Vitória
Luiz de Jesus – Pastor Batista Boas Novas
Luiz Mattos – Instituto Anima
Lyndon Araujo – Pastor Congregacional
Manoel Ribeiro de Moraes Junior – Pastor Batista
Marcelo Gualberto – Pastor Presbiteriano
Marcelo Gualberto da Silva – Pastor Presbiteriano
Marcos Custódio – CADI-Origem
Marcos Fellipe Marques – Pastor Comunidade de Jesus
Marcos Machado – Pastor Batista
Marcos Monteiro – Pastor Comunidade de Jesus em Feira de Santana
Marcus Vinicius Matos – Rede Fale Coordenação
Mardes Silva – Pastor Igreja Betesda do Ceará
Mauricio Andrade – Bispo da Episcopal Anglicana do Brasil
Mersia Lisboa Costa – Missionária Batista
Miguel Ângelo – Presbítero Igreja de Cristo
Morgana Boostel- Rede FALE
Nancy Cardoso Pereira – Pastora Metodista
Nello Pulcinelli – Pastor Batista
Nelson Gervoni – Pastor Batista
Neusa Butzlaff – Pastora Luterana
Orivaldo Lopes Junior – Pastor Batista
Paulo Cesar Garcia – Pastor Comunidade Milícia
Paulo Saraiva – Pastor Batista
Pericles Gonzaga de Souza – Pastor Presbiteriana Unida
Rafael Lira – Juventude Batista do Estado de SP
Ricardo Bitun – Pastor da Igreja Manaim
Ricardo Matense – Evangélicos Pela Justiça
Sandro Amadeu Cerveira – Reverendo Presbiteriana Unida
Serguem Jessui Machado da Silva – Tearfund
Valdir Steuernagel – Pastor Luterano
Valmir Paze – Pastor da Ig Nazareno/Mov. Evangélico Progressista
Welinton Pereira – Pastor Metodista
Ziel Machado – Pastor Metodista Livre
Zwinglio Mota Dias – Pastor Presbiteriana Unida

fonte: http://ultimato.com.br/sites/blogdaultimato/2013/02/11/carta-aberta-acerca-da-presidencia-da-comissao-de-direitos-humanos/