quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Biógrafo acrescenta adjetivo espião a Bonhoeffer

Antonio Carlos Ribeiro


Rio de Janeiro, terça-feira, 10 de agosto de 2010 (ALC) - O mundo moderno aprendeu a gostar do teólogo luterano que resistiu ao nazismo e participou da conspiração da resistência que planejou o atentado contra Adolph Hitler. Tinha clareza de raciocínio e piedade, era jovem, brilhante, ecumênico, foi pastor na Espanha, residiu em Londres, estudou no Union, em Nova Iorque, atuou no Seminário de Finkenwald e na Igreja Confessante, já que a oficial apoiou o nazismo, e escreveu um clássico da mística moderna: O preço do discipulado (Nachfolge, em alemão).
Esse era o perfil que o tornava intrigante aos olhos do público teológico. Quando se pensava conhecer o básico sobre uma vida cheia de significado desse homem de fé, teólogo agudo e militante ousado, que enfrentou um regime desumano, eis que surge a obra de Eric Metaxas (Bonhoeffer: Pastor, Martyr, Prophet, Spy) acrescentando aos honoráveis títulos de pastor, mártir e profeta, o de espião.

Isso não abala os traços da vida deste profeta moderno que discordou da igreja do Reich e, como João Batista, foi uma voz no deserto. Mas acrescenta certo tempero, sobretudo numa América Latina que ainda lida com violência política, mantida pelo poder estatal e disposta a silenciar os opositores de regimes conservadores e criminosos.

O autor se mostra alegre com a boa crítica, mas sobretudo pelo apoio do mercado editorial e à recepção no público, apesar do volume de texto da obra. Com motivação pessoal, tempo para dedicar à pesquisa e amor pela tarefa de biografar, Metaxas fala da determinação, do empenho e do prazer com que se dedicou à tarefa, informando que foi o período de esforço mais concentrado que já fez, atitude que lembra o depoimento de Umberto Eco em O Nome da Rosa: pós-escrito e, sem falso moralismo, admitindo que desejou que sua obra fosse definitiva.

Também admitiu sua paixão pelo perfil do biografado. "Ele é a pessoa mais autêntica que eu já encontrei, e eu sei que a sua vida fala poderosamente a nós de inúmeras maneiras. Ele é como o herói supremo, e sua história é tão inspiradora que eu tinha que contá-la a uma nova geração de leitores". Imagine como essa motivação o fez voltar mais de 70 anos, revolver documentos como cartas, anotações, artigos e livros, inclusive o inconcluso Ética, além das cartas de amor enviadas à noiva (Love Letters from Cell 92), escritas no momento derradeiro, entre 1943 e sua morte em 1945.

O herói que Metaxas diz ter visibilizado em sua obra vive em meio ao estresse de um regime absolutista e já em crise, movimenta-se numa igreja que lhe vira as costas e intelectuais que não apoiam os riscos últimos de seus envolvimentos, como Karl Barth.
Ao mesmo tempo, Bonhoeffer tem convicções de fé que o impulsionam mar adentro, mesmo com a maré perigosa, que o faz manter a sensibilidade e a ternura, ao lado da disposição de assumir seus postulados. Indagado sobre os defeitos, seu biógrafo lembrou apenas que era fumante. Aliás, a cena cortada na versão brasileira do filme Agente da Graça (Bonhoeffer: Agent of Grace, 90 min., 1999) é a que sua noiva fuma um charuto para lembrar o pai, morto em combate.

O herói cristão da resistência ao nazismo, a quem os anglicanos erigiram um monumento na Abadia de Westminster, parece que vai saltar das páginas desta obra, sobretudo quando traduzida ao espanhol e ao português, por causa da humanidade que o teólogo nunca abandonou em meio ao turbilhão de fatos de impacto mundial em que se movimentou.
A propósito, segundo o autor, sua obra "o humaniza muito e mostra que tipo de pessoa era. Ele surge como alguém acessível e encantador e gracioso, o tipo de pessoa com quem qualquer um adoraria passar o tempo", destacou.

Aquilo sobre o que se tinha algumas informações, como seu trabalho na inteligência militar alemã, a Abwehr, onde obteve informações para salvar a vida de judeus, constitui o elemento que a biografia destaca. Esse fato, que provavelmente o colocou na lista dos que não podiam sobreviver, como uma questão de honra para Hitler, é exatamente o que mais desperta a atenção do grande público nesta biografia. Até então era, provavelmente, o romance com Maria von Wedemeyer.

O outro traço é o perfil de militante, extremamente autodisciplinado, crítico, exigente e eventualmente impaciente. Isso explica opções teológicas firmes – como o raciocínio de que o menino não errou ao mentir para o professor que queria ridicularizá-lo ao falar da bebedeira do pai – e opções éticas drásticas – quando explicou, ao ser preso, que a tarefa do pastor diante do louco que dirige de forma desgovernada um caminhão, provocando acidentes e mortes, não é apenas sepultar os mortos e consolar os enlutados, mas arrancar-lhe o volante das mãos.
 -----------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416

Nenhum comentário:

Postar um comentário