domingo, 26 de dezembro de 2010

Está na hora de repensar o testemunho evangélico IV

Eduardo Ribeiro Mundim

Não importa qual é a igreja: poderia ser a minha, ou a sua.
A Folha de São Paulo de 26 de dezembro traz uma reportagem sobre a ação de uma comunidade cristã de Belo Horizonte nos presídios mineiros (caderno Cotidiano, pg C4). Todas as celas de uma prisão na cidade receberam uma TV LCD de 32 polegadas. Durante todo o dia todos os aparelhos instalados estão sintonizados na programação televisiva daquela igreja, disponível 24 horas por dia. Os presos não têm a opção de desligá-los - somente de reduzir o volume. O governo mineiro considera a experiência um sucesso (pela modificação do comportamento dos detentos), e pensa em estendê-lo às demais unidades. O diretor do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional, que é quem controla a programação, é membro da igreja.

Ideia genial? Proclamação do evangelho? Testemunho cristão? Estas são algumas das perguntas que o texto do repórter Rodrigo Vizeu levantaram para mim.

O articulista Helio Schwartsman levantou algumas objeções jurídicas:
1. a exposição compulsória a um programa de televisão único se configura em uma segunda pena a ser cumprida, não estabelecida pela justiça
2. a separação entre igreja e Estado proíbe que o poder público estabeleça alianças com igrejas (não importam quais sejam)
3. para que o princípio da impessoalidade seja respeitado, todas as demais crenças religiosas deveriam ser convidadas a participarem do programa
4. o serviço, sendo relevante para os interesses do Estado, deveria ter sido submetido a um processo licitatório.

Acredito nas boas intenções do diretor, mas questiono como um funcionário público graduado é desatento para as questões levantadas acima. Quais são suas credenciais para ocupar o posto?

Segundo o repórter, o diretor alega que os presos do CERESP ficam pouco tempo, pela própria missão daquela unidade, e que este é o tempo que tem para "plantar a semente". Qual semente?

Pergunto: onde está o mandamento bíblico para esta atitude? É isto o que o apóstolo Paulo quis dizer quando recomendou a Timóteo "prega a tempo e a fora de tempo" (II Tm 4.2). Evangelizar é obrigar as pessoas a ouvirem aquilo que não desejam ouvir? Evangelizar é impor, ou convencer?


Imagino se, como evangélicos, não invejamos os séculos durante os quais a Igreja Católica foi a religião oficial do Brasil (colônia e império); imagino se o poder consequente a esta posição não é por nós desejado; imagino se não confundimos mudanças de coração com imposição de hábitos e costumes.


Temos certeza do que significa evangelizar?


Até onde estamos dispostos a ir?

Valores do Reino e o mundo não-cristão

Eduardo Ribeiro Mundim

Política é o nome pelo qual o relacionamento entre as pessoas, quando o assunto é o estabelecimento de regras para as suas relações mútuas, é chamado. Enquanto sociedade, é necessária uma definição de papéis sociais, financiamento das atividades que a todos beneficiam (infraestrutura de saneamento básico, por exemplo), normas de comportamento e de punição.  Este acordo social precisa ser alinhavado porque os desejos individuais são discordantes, as visões de mundo são diferentes, as percepções das distorções variadas e as propostas de soluções, múltiplas. E não é possível ao homem viver isolado dos demais, pois nem na assim chamada idade da pedra isto acontecia. E a vivência de todos como eremitas acarretaria o fim da espécie humana.

Política é uma atividade onipresente, que se inicia no microcosmo (relacionamento em condomínios, por exemplo, onde existe a figura do síndico) e se estende ao macro - seu ápice hoje seria o secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Perto do microcosmo, está o relacionamento dentro de uma igreja (onde há eleições para oficiais, diáconos e presbíteros), intradenominacional (onde as igrejas de certa denominação se reúnem em assembleia, concilio ou sínodo) e interdenominacional (onde a face mais visível foi, nas décadas passadas, a Confederação Evangélica Brasileira, mais recentemente a AEvB - Associação Evangélica Brasileira e sua sucessora, a Aliança Cristã Evangélica Brasileira [1]).

Política, portanto, é uma atividade inerente à condição de ser um humano - exceto àqueles que se refugiam solitariamente em cavernas. Curiosamente, não vejo maiores questionamentos sobre o cristão e seu envolvimento político quando se trata de sua igreja local ou denominação; ou mesmo condomínios. Mas quando se trata do Estado, há, grosso modo, três possibilidades [2].

O cristão pode ignorar a política secular. Ao adotar esta atitude, ele diz, explicitamente, que o Reino de Deus não tem nada a dizer ao relacionamento entre as pessoas não cristãs, que Deus as abandonou à própria sorte (se como castigo, ou descaso, ou cansaço, fica em aberto) e o Evangelho não tem aplicação prática para os pequenos dramas cotidianos.

O cristão pode submeter-se, completamente, à política secular. Desta forma, ele diz, explicitamente, que o Reino de Deus é menor que o mundo caído, com uma ética de menor valor e pior qualidade, e que somente terá significado em um futuro distante. Tal futuro distante assemelha-se aos dos contos de fada, ou às estórias do cinema, pois que futuro pode haver se não há relevância hoje?

O cristão pode expor sua opinião, calcada na análise da realidade através de todas as ferramentas disponíveis (como a sociologia, a biologia, a filosofia, a matemática, a linguística, etc) e confrontada esta realidade com a vontade de Deus expressa nas Escrituras. Esta conclusão pressupõe um cuidadoso trabalho de interpretação bíblica e contextualização, não podendo ser feito às pressas. Esta conclusão também pede um debate entre os cristãos, pois a Igreja trabalha em conjunto, e não de modo isolado. Desta forma, o cristão afirma, explicitamente, que é sal da terra e luz do mundo: diz ser portador de uma ética superior - ainda que, frequentemente, não viva segundo ela. Mas, pecador humilde que é, reconhece estar longe do ideal, e chama os não cristãos a trilhar o mesmo caminho com ele.

Quando o cristão resolve colaborar na política secular, há dois modelos: imposição e confronto.

Imposição foi o que Constantino iniciou no Império Romano, tornando o cristianismo religião oficial - um trabalho bem feito do Demônio. A igreja foi tola o suficiente para levar avante na Idade Média ocidental, impondo os padrões do evangelho indistintamente a todos os cidadãos. O resultado, consequência de uma série de fatos (baixa educação popular, clero despreparado, clero não cristão, dentre outros), foi uma sociedade culturalmente cristã e, na prática, pagã: as guerras entre os diferentes reinos cristãos, as cruzadas, a inquisição, etc. As consequências permanecem até hoje: os árabes com um inconsciente coletivo de massacres perpetrados por cristãos no passado (e atualizado pelo colonialismo dos séculos XIX e XX), desprezo pelo clero, igrejas vazias transformadas em qualquer outra coisa...

O confronto é o preceituado no Sermão da Montanha, analisado por John Stott com o provocante título de Contracultura Cristã [3]. A Igreja é chamada a ser uma cultura que confronta aquela na qual está inserida, não pelas palavras, mas pelos atos. Não foi assim na igreja em Jerusalém?

A imposição dos valores do Reino a uma sociedade não cristã (e desconheço qualquer sociedade cristã, ou seja, constituída por 100% de cristãos por opção, e não culturais) traz uma série de problemas, de éticos a teológicos:
- é compatível com o ensino bíblico impor a quem não deseja, ou para quem não há nenhum sentido perceptível no seu horizonte, uma ordem a ser cumprida onde a justificativa não está no bem comum, mas no cumprimento de ordem divina?
- a Igreja não é Israel!!!
- os valores do Reino somente são significativos para aqueles que neles creem. Impor um valor, através da força policial, a quem nele não crê somente traz violência e violação do mesmo valor
- os cristãos, que lutam para impor a si mesmos estes valores, o fazem com boa dose de renúncia pessoal (sofrimento), pois, por amor a um Deus que os ama, querem ser como Ele deseja que sejam. Paulo deixa bem claro que as obras da carne são para serem deixadas para trás (atitude consciente) e suas cartas à igreja em Corinto mostram como aquela comunidade tão rica de dons espirituais e tão abençoada e perdoada era imensamente pecadora, a ponto de fazer um testemunho ao contrário. Como nós, entre outras atitudes, foram aos tribunais seculares resolver disputas internas! Como impor a alguém um processo de santificação quando ele não é desejado? Nossos pastores já não foram fonte suficiente de escândalos? Nossos políticos evangélicos são, todos, genuinamente cristãos ou apenas eleitoralmente? O termo "abuso espiritual" não tem sido fonte de livros e artigos?
- não há, nas Escrituras, mandamento para que os valores do Reino sejam impostos a quem quer que seja. Eles devem ser ensinados com toda a perícia e empenho, mas não há ordem para sua imposição a quem quer que seja. Incluindo ao cristão apóstata.

O confronto, quando a Igreja se apresenta como sociedade alternativa, que, inclusive, pune os seus com a justiça necessária [4], demonstra, na prática do dia a dia, a começar pelos pequenos conflitos, os valores do Reino. Estes, por serem basicamente o amor altruísta, podem seduzir aqueles que assim o desejam ser (na perspectiva arminiana) ou aqueles predestinados para tal (na calvinista), pelo valor que tem em si, única e exclusivamente. A lógica dos valores do Reino pode, e deve, ser traduzida em linguagem não cristã, com argumentação calcada em outros campos do conhecimento humano que são aceitos, pelos não cristãos, como fonte de conhecimento. Usar a bíblia como fonte não tem sentido no diálogo político, exceto se o propósito for a proclamação do Evangelho.


[2] Matos AS. Cristãos e política: uma relação imprescindível. Revista Ultimato.... disponível em http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/327/cristaos-e-politica-uma-relacao-imprescindivel
[3] editado no Brasil pela ABU Editora (http://www.abueditora.com.br/livros.htm)
[4] não é esta a queixa das vítimas da pedofilia, ou do abuso espiritual, de que os responsáveis não são punidos na proporção do crime cometido?

corrigido em 14/06/13

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Nossa sutil hipocrisia

Rodrigo de Lima Ferreira*

Emil Brunner disse certa vez que, em sua caminhada histórica, a igreja oriunda da Reforma procura automaticamente o engessamento de uma crescente e perene institucionalização, matando o caráter orgânico, vivo e livre da igreja. Brunner identifica o início da institucionalização da igreja quando o apóstolo Paulo normatiza o sacramento da Ceia em 1 Coríntios 11. Discordo do teólogo, pois creio que a semente dessa institucionalização é bem anterior, e pode ser encontrada nos embates travados entre os fariseus e o Crucificado.

Nesses embates, os fariseus, que eram professores da Lei, e que deveriam, por dever de ofício, conhecer as Escrituras, as negam ao reclamarem contra a terrível falha de Jesus em curar num sábado. “Era só o que faltava!”, diziam eles. Em sua sutil hipocrisia, os fariseus da época de Jesus ficavam chateados com a falta de modos do Senhor, que comia sem lavar as mãos, mas não se importaram em corromper um processo jurídico contra ele, ao comprar testemunhas e permitir correr o julgamento no Sinédrio à noite, o que era ilegal à época.

Hoje em dia, a igreja dita evangélica cada vez mais se engessa em seu institucionalismo ensimesmado, se aproximando do sistema religioso farisaico, cada vez mais se distancia da pura fonte de conhecimento de Deus, ou teologia, que é Jesus, e cada vez mais vivencia uma hipocrisia de modo sutil.

Enchemos a boca ao afirmarmos que nossa salvação é pela graça, mas enchemos as pessoas de cargos, sobrecargos e obrigações, que devem ser desempenhados sem pestanejar, para provar que é “um dos nossos” e merecedor da salvação.


Nos alegramos, e até mesmo nos orgulhamos, de nossa herança reformada. Mas, se é verdade que muitos arminianos oram como calvinistas (“Se for da tua vontade, Senhor...”), também é verdade que muitos calvinistas vivem sua vida como perfeitos agnósticos. Afinal, Deus é distante, intangível, inalcançável, portanto vou viver minha vida do meu jeito, sem me importar com isso.

Prezamos a família. Há até ministérios voltados para ela, e grande volume de literatura especializada no tema. Mas o número de divórcios aumenta, a quantidade de maus-tratos contra crianças se torna assustadora (sem contar os casos de abuso sexual cometidos dentro de famílias evangélicas, por pais, tios, avós ou padrastos), cada vez mais desordens de ordem sexual se tornam presentes, sem que isso seja tratado com coragem, discrição e amor. E sem falar também que, de todas as famílias da igreja, a do pastor é a mais penalizada.

Há muitas camisetas e adesivos de carro que dizem “Jesus te ama”, “Deus é amor”, mas somos frios, distantes, individualistas e cruéis. Não conseguimos expressar esse amor ao homossexual, ao alcoólatra, ao mendigo. Ou ao crente da igreja com uma teologia diferente da nossa, ou mesmo ao católico.

Aliás, somos muito ciosos em relação à pureza da nossa devoção. Falamos contra a crescente mariolatria, como bem apontou Hans Küng, mas temos nossos ídolos, nossos pequenos deuses, nossos altares de adoração abjeta. Enquanto muitos católicos adoram uma figura bíblica que foi instrumento da ação de Deus na história, muitos de nós adoramos homens sem escrúpulo, sem caráter e com uma enorme voracidade por fama, poder e dinheiro. Talvez até mesmo por nos espelharmos neles.

Prezamos a transparência, reclamamos até mesmo disso em relação aos governos. Mas não sabemos o que fazer com aqueles que decidem abrir seus corações, expondo suas fraquezas e sua dependência de Deus. Em um tempo de cultivo de heróis gospel, não soa bem se mostrar frágil.

Prezamos o papel de líder, enquanto Jesus prezava a atitude de servo. Prezamos a vitória e a intrepidez, mas Jesus morreu como um bandido fora da cidade santa, abandonado por todos. Nos espelhamos na esperteza relatada em livros sobre liderança, mas Jesus nos incita à simplicidade infantil. Buscamos metodologias para a igreja crescer, mas nos esquecemos que quem enche a igreja é o Espírito, e qualquer outro crescimento produzido fora dele é puro inchaço.

Em tempos em que as técnicas ditam as normas (como bem disse Won Sul Lee), é anacrônico ser fiel a alguém que não se vê e que nem sempre responde como queremos. Mas somos chamados a este anacronismo, somos chamados para vivermos, como diz o antigo hino, para o Deus dos antigos, o Deus que nos limpa por dentro e nos remove a sutil hipocrisia dos fariseus modernos. O Deus que nos quer íntegros e transparentes. O Deus que nos quer santos.

* Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA,  é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks). http://revdigao.wordpress.com
 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Homofobia: não cabe ao cristão discriminar

Transcrevo texto publicado em http://www.ultimato.com.br/conteudo/homofobia-nao-cabe-ao-cristao-discriminar por concordar plenamente com o autor (Rev Elben Cesar). É provável que seja criticado por alguns, mas apoiado por outros tantos. E avanço um pouco mais na sua conclusão: sim, para aqueles que não querem ser cristãos os critérios éticos serão outros, não os do Reino, mas o mais próximo deles. Estão os cristãos prontos para isto?

Homofobia: não cabe ao cristão discriminar


Além de não poder praticar nem dar seu aval à conduta sexual adulterina e à homossexual, o cristão precisa aprender a arte da convivência com aqueles que as praticam. Por ter se comprometido espontaneamente com Cristo ao se converter, o cristão é membro de uma comunidade cristã e responsável por seu comportamento e testemunho. Porém, ele não é retirado do mundo, da sociedade no meio da qual vive. Segundo Paulo, o cristão não deve ficar separado dos não-cristãos, que vivem a seu bel-prazer. Para viverem separados, os cristãos “teriam de sair deste mundo” (1Co 5.10, NTLH), atitude com a qual Jesus não concorda. Na oração sacerdotal do Cenáculo, Jesus é claro: “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno” (Jo 17.15, NTLH). Retirado do mundo, o cristão jamais seria “o sal da terra” e “a luz do mundo” (Mt 5.13-16).

Por uma questão de princípios, se o cristão não se retira da sociedade, ele tem de aprender a conviver com seus contemporâneos e vizinhos, sem se deixar influenciar ou enredar por eles. Convivência e conivência são coisas distintas: “convivência” é viver com outra pessoa; “conivência” é cumplicidade, colaboração, conluio.

Não cabe ao cristão discriminar, desprezar, odiar, maltratar, humilhar ou apedrejar o homossexual ou a lésbica, em uma sociedade em que há muitos outros desvios, como a injustiça, a avareza, o consumismo, a hipocrisia, a idolatria, o ódio, a vingança, a arrogância, a frivolidade e assim por diante. Cabe ao cristão conviver com todas essas pessoas, com temor e tremor, sem espírito de superioridade, reprovando todas essas coisas mais pela conduta do que pelas palavras.

O ensino de Paulo tem um valor imenso se o contexto for considerado. Não há concessão alguma ao desregramento sexual. No mesmo capítulo, o apóstolo é enfaticamente contrário à presença de certo indivíduo da comunidade cristã de Corinto que estava tendo relações com a mulher de seu pai (já morto ou não), provavelmente sua madrasta. Ele deveria ser temporariamente afastado dos privilégios da comunidade, até que sua natureza carnal fosse suplantada pela nova natureza (1Co 5.1-5). No capítulo seguinte, Paulo recorda que entre os membros fundadores da comunidade cristã havia ex-homossexuais ativos e ex-homossexuais passivos, bem como muitos outros ex-isto-e-aquilo (1Co 6.9-11).

Na comunidade, o critério seria um; na sociedade, seria outro. Não se pode exigir que o não-cristão se comporte como cristão, mas é lícito exigir que o cristão se comporte como cristão.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Os cristãos americanos creem que a morte foi tragada pela vitória?

 Rob Moll
30/03/09

Mark Galli comenta um estudo que confirma minhas evidências empíricas através de entrevistas com médicos cristãos - especialmente os envolvidos em asilos ou com o cuidado de idosos: cristãos são surpreendentemente agressivos nas tentativas de adiar sua própria morte através de intervenções médicas.

Isto é surpreendente pois a crença cristã básica é que Jesus Cristo morreu e se levantou do túmulo. E como Paulo diz aos Romanos, os cristãos têm a vida do Deus que levantou Jesus dentre dos mortos. Por causa desta vida que desafia a morte, os cristãos creem, como a Bíblia repete, "a morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, sua vitória? onde está, ó morte, o seu aguilhão?"

Esta ausência de medo da morte, especialmente como ensinada por Paulo em I Coríntios 15 e pelas evidências de sua própria vida, não é de todo clara nas decisões tomadas por muitos, incluindo cristãos (segundo o estudo citado por Mark), que usam a tecnologia médica para enfrentar a morte.

Durante a pesquisa para o meu livro a respeito do modo cristão de morrer bem (The art of dying) encontrei pelo menos duas razões pelas quais cristãos em particular buscam intervenções médicas agressivas ao final da vida.

A primeira é a transferência de valores pró-vida do início para o fim da vida. "Somos tão pró-vida", um médico me disse, "que somos antimorte". Repetidas vezes ele vê pacientes que defendem suas desesperadas decisões apelando para as crenças pró-vida.

A segunda relaciona-se com a ideia da saúde e da riqueza como uma promessa a ser cobrada de Deus. Outro médico, que trabalha em uma casa de idosos - e cristão - disse-me que regularmente escuta pacientes que foram admitidos em hospitais recusarem-se a aceitar que qualquer doença fosse uma ameaça a suas vidas. Recusando esta aceitação, eles negam a sua existência. Ou invocando um versículo ou uma passagem que promete a cura (mesmo "a morte foi tragada pela vitória", muitos cristãos creem que serão os primeiros desde Elias a serem levados diretamente para o céu - um dom que mesmo Jesus recusou).

Naturalmente, ambas explicações são um disfarce para um assunto mais profundo: o medo da morte. E enquanto cristãos tem esperança na derrota da morte por Jesus na cruz, o medo da morte não é único e é perfeitamente compreensível.

Mas os problemas com tais medos conduzindo a um tratamento médico agressivo ao fim da vida são duplos. Primeiro, a morte é sempre mais difícil quando se recusa a aceitar sua chegada. Tratamento agressivo não somente fornece uma (frequentemente falsa) esperança de cura, mas é tipicamente exaustiva e frequentemente não permite ao paciente tempo ou energia para fazer as pazes com o final da vida. Sem a aceitação da morte, o processo de morrer é frequentemente difícil do ponto de vista físico, doloroso e prolongado. E para os familiares, esta morte difícil faz o processo de luto e dor mais doloroso e espinhoso de ser trabalhado.

O próximo aspecto é relacionado. Através do século XIX, os cristãos praticaram várias formas de morrer bem. Enquanto certos detalhes se modificam, a crença básica é que a morte e ressurreição de Jesus é um modelo para a morte do cristão e esperança na ressurreição. Morrer bem pois requer 1) a disposição para morrer, 2) uma expressão da esperança cristã na ressurreição do corpo e na vida eterna com Deus, e 3) a despedida dos seus e da comunidade, frequentemente acompanhada pelas últimas palavras. Este padrão foi consistente através da história cristã até o século XX.

Devido a uma série de questões médicas e sociais, o século XXI é uma boa época para tentar recuperar a perdida arte cristã de morrer. Mas estes valores são melhor aprendidos antes que o paciente necessite decidir ser hospitalizado ou buscar tratamento curativo. E são melhor ensinados pela comunidade da igreja que oferece esperança na ressurreição após a morte - e não a promessa de saúde e prosperidade agora.

traduzido por eduardo ribeiro mundim de More on Faith and End-of-Life Care

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Natal no complexo do alemão

Presb. Ronaldo Pereira Martins

Na semana passada os brasileiros acompanharam pela TV a operação militar que a imprensa chamou de “guerra contra o tráfico”. Pouco se falou sobre o fato de que, durante décadas, a população do conjunto de comunidades do Complexo do Alemão viveu abandonada à própria sorte, sem a presença e o apoio do Estado. O que se destacou foi o fato de que, triunfalmente, a polícia e as Forças Armadas “libertaram a população do jugo dos traficantes”.

A cinematográfica “libertação” demonstrou o que todos sabemos: se há “vontade política”, o Estado pode ter êxito na promoção do bem comum.
Mas de que tipo de libertação nós precisamos? A que provém da vontade ou a que provém da esperança? Essa questão me veio à mente enquanto assistia, estarrecido, à “guerra urbana” no Rio de Janeiro, em pleno domingo de Advento

O que distingue a vontade da esperança? Segundo Sponville, “a esperança é um desejo que se refere ao que não depende de nós; a vontade é um desejo que se refere ao que depende de nós”. Corroborando com o que afirma o filósofo, eu diria que a esperança da libertação proposta no Reino de Jesus Cristo se funda em uma novidade de vida que não depende de nós mesmos, mas da graça de Deus.

É bom que os moradores do Complexo do Alemão tenham sido libertados da opressão imposta pelos traficantes. Mas devemos ter claro em nossas mentes que eles ainda não receberam o verdadeiro presente de Natal. Apenas tiveram paga uma dívida que poderia ter sido quitada há muito tempo se  houvesse vontade.
Que a esperança resista no coração daquela comunidade e que as famílias do Alemão continuem ansiando a libertação definitiva, aquela que foi assim descrita pelo profeta Isaías: “ele edificará a minha cidade, e soltará os meus cativos, não por preço nem por presente”. (Isaías 45:13)

A liberdade apregoada no tempo do advento é aquela que se estabelece como direito de todos os cidadãos do Reino de Deus. É a liberdade que nasce da esperança de que o Senhor está no controle das nossas vidas. É a liberdade que não depende da nossa própria vontade. É a liberdade que advém da verdade, nos guiando para o caminho no qual a presença de Jesus Cristo é definitiva.

Neste tempo de Advento podemos cultivar nossas vontades ou nossa esperança. Na última segunda-feira, a Federação do Comércio divulgou uma pesquisa demonstrando que o índice de otimismo dos consumidores de Belo Horizonte bateu o recorde histórico. Segundo a pesquisa, todos querem consumir como nunca no próximo Natal. Essa é uma vontade que depende apenas de nós. Mas, com certeza, é a maneira menos adequada de esperar pelo Natal.
Talvez devamos aceitar o desafio de reconstituir o sentido do Advento como um tempo de esperança. Podemos e precisamos cultivar a esperança de que o Natal represente, a cada ano, um recomeço, o despertar de um novo dia, no qual ganhamos força para lutar pela transformação definitiva da sociedade e do ser humano.

Quais são as imagens que lhe vêm à mente quando você pensa no Natal? Quais são os desejos que você cultiva? Se eles se referem apenas a prazeres passageiros, como presentes e ceias fartas, são mera vontade humana. Se remetem você ao sentimento de que um mundo novo é possível a partir da libertação preconizada no Reino de Deus, os seus desejos estão revestidos da esperança do Natal.

Feliz Natal para os moradores do Complexo do Alemão!

Presb. Ronaldo Pereira Martins:[1] Jornalista. Mestre em Ciência da Informação pela UFMG. Diretor do Fundo Cristão para Crianças.

fonte: http://www.segundaigreja.org.br/noticias_view.asp?id=393

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Pastor de origem japonesa lê para delegação africana um pedido de perdão da igreja brasileira


Postado por Ultimatoonline em 22 de novembro de 2010 às 8:21 em Especial Lausanne III | 6 Comments
[1]Especial Lausanne III – Carta lida por Key Yuasa, brasileiro de origem japonesa, pastor da Igreja Evangélica Holiness da Liberdade em São Paulo, no último dia de Lausanne 3 (24/10) no Auditório n. 1 do Convention Center do Cape Town, onde se reuniam todas as delegações ao sul de Sahara, neste momento presidida pelo Arcebispo Henry Orombi da Uganda. 

Amados irmãos e irmãs do grande continente da Africa:

Nós os participantes brasileiros de Lausanne III temos sido abençoados abundantemente neste Congresso e estamos muito felizes de estar nesta parte do mundo. Os navegadores portugueses do século XV venceram os temores e as dificuldades naturais do Cabo das Tormentas, e abriram o caminho do comercio para Moçambique e para as Índias. Aqui eles ganharam inspiração, ousadia e coragem para explorar o Oceano Atlântico Sul e procurar chegar às Índias ainda que fosse “por mares dantes nunca navegados” avançando para o oeste, e Pedro Alvarez Cabral oito anos depois de Colombo foi capaz de “descobrir” a Ilha de Vera Cruz, depois rebatizada de Terra de Santa Cruz, quando perceberam que não era ilha, e depois terra do Brasil.

Ao re-lembrar esses fatos da formação de nossa terra e nação, não podemos deixar de recordar nossa grande dívida histórica, moral e física para com o grande continente da Africa, seus povos e nações. Depois da descoberta e por quase 400 anos do Brasil colonia e Brasil independente, nós dependemos do trabalho escravo para a formação de nossas plantações, para cavar nossas minas, para a construção de nossas casas, nossas cidades e nossa nação. Assim cometemos o pecado de sequestrar pessoas deixando atrás muitos órfãos, destruindo casas e vilas causando feridas profundas em suas nações.

Cometemos o pecado de homicídios, de tratar pessoas criadas à imagem de Deus como bestas, impondo em seus povos violência física, psicológica e moral e condições sub-humanas de vida; cometemos abusos de todos os tipos e sempre que foi possível ajudamos a destruir suas identidades pessoais, familiares, culturais e nacionais.

A dívida moral que nós temos em relação as suas nações e povos é tão vasta, profunda e enorme, que nem começamos a medi-la. Cremos que é uma dívida impagável.

Se nós quiséssemos mostrar que realmente sentimos muito pelo que aconteceu e que estamos arrependidos desse pecado histórico de nossa nação em contra de vossas nações, nos teríamos de vir até vocês e dizer: Por favor dá nos a graça de sermos seus escravos. Sejam por favor nosso patrões e nossos senhores, e dá-nos a oportunidade de servi-los. Deixa-nos ajudar a construir suas fazendas, cavar suas minas, construir suas casas e cidades com nosso suor, sangue e lágrimas como gentes do seu povo fizeram por nós. Permitam que nossos corpos sejam enterrados anonimamente embaixo de suas estradas e cidades, como fizeram os vossos povos por nós.

E então, somente então, poderíamos perceber que somos irmãos e irmãs de sangue , porque o seu povo derramou sangue por nós e nos abençoou, e vocês nos teriam dado a graça e a oportunidade de derramar nosso sangue em favor de vocês. Talvez depois disso poderíamos começar a entender juntos a amplidão, o comprimento, a profundidade, e a altura do amor de Cristo que derramou por nós ambos o seu precioso sangue e derrubou o muro de partição para nos fazer uma só família n’Ele!

Mas hoje precisamos pedir a vocês, perdão a algo imperdoável. Por favor perdoem-nos. Por favor perdoem os pecados do nosso povo contra vocês. Perdoem os pecados de nossa nação contra as nações de vocês.

As gentes provindas da Africa em uma imigração forçada, ajudaram a construir o nosso país não apenas com suor, trabalho árduo e sangue. Esta pessoas e seus descendentes tem construído com suas mãos, sua cabeça e pernas (como Pelé, Ronaldo, Robinho, etc.), com coração, mente e sentimentos cálidos como muitos músicos, romancistas e artistas, ou com habilidades técnicas como médicos, engenheiros, juristas, políticos, em todas as esferas da atividade humana. Muitos são membros de igrejas, e com sua fé , esperança e amor tem sido pastores, bispos, professores,líderes e santos. O seus povos e seus descendentes tem sido uma benção para a nossa nação. Em vez de devolverem o mal que receberam com o mal eles tem abençoado a nós com a riqueza de sua música, enriqueceu a nossa cultura alimentar com sua contribuição, e sobretudo com a sua maneira rica e peculiar de ser humano, de ser gente, um próximo e irmão de alma, como estamos experimentando esta semana com vocês. Seus povos e descendentes se tornaram parte integral de nosso país, e de nossas famílias. Muitos de nós nos orgulhamos de ser em certa medida, descendentes dos povos da Africa.

Por favor aceitem-nos como seus servos e servas, seus escravos e escravas em nome do Senhor Jesus. Com amor e ternura fraternais,

(Seguem 59 assinaturas)

Participantes brasileiros em Cape Town 2010
Cape Town, 24 de Outubro de 2010

Crédito foto: Lissânder Dias. Legenda: Pr. Key Yuasa abraça líder africana após ler pedido de perdão.

Artigo impresso de Blog da Ultimato: http://ultimato.com.br/sites/blogdaultimato
Endereços neste artigo:
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Em reação aos comentários do blog do Ultimato, registro a minha:

Creio que a delegação brasileira agiu corretamente. Sim, pessoalmente eu não comprei escravos, e apenas muito indiretamente fui beneficiado pela escravidão. Mas toda a sociedade brasileira o foi, indiretamente. Muito indiretamente eu fui.
 
Caso estivesse presente, assinaria o pedido de perdão, reconhecendo estes fatos.
 
Como já foi comentado, o pedido implica em revisão de pontos de vista, em modificações de atitudes. Quais serão, o momento histórico individual e coletivo apresentará oportunamente.
 
Acrescento que a igreja ocidental também deve pedir perdão aos povos orientais que foram por nós colonizados. Se o Evangelho encontra dificuldades naquelas paragens, parcialmente a conduta de nossos antepassados que misturaram evangelização com comércio e a salvação com lucros é responsável. Foram cristãos que massacraram os árabes na queda de Jerusalém na primeira cruzada; foram cristãos que deceparam a mão de africanos "rebeldes" no assim chamado "Congo Belga"; são cristãos os países que se enriqueceram com as colônias e hoje recusam seus cidadãos.
 
Não vivemos em um mundo perfeito, mas é parte de nossa vocação curarmos as feridas que podem ser curadas, limitar as que podem ser limitadas e procurarmos não abrir outras.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dourados é a maior tragédia indígena do mundo, afirma Deborah Duprat

Antonio Carlos Ribeiro


Campo Grande, sexta-feira, 3 de dezembro de 2010 (ALC) - "A reserva de Dourados é talvez a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo", afirmou a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, ao falar sobre a questão indígena em Mato Grosso do Sul no XI Encontro Nacional da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do Ministério Público Federal (MPF), realizado essa semana nesta capital. 

Duprat atua no setor do MPF que trata de assuntos relativos aos povos indígenas e minorias étnicas. A escolha de Mato Grosso do Sul se deve ao fato de o Estado contar com 70 mil índios, a segunda maior população indígena do Brasil, e que tem os maiores problemas de conflito de demarcação de terras, especialmente pela situação de discriminação da população, violência por parte dos proprietários rurais e uma política do governo estadual cujo descaso transforma a vulnerabilidade dessa população em genocídio.

"O cerne da questão certamente é a identificação e demarcação de terras. Como vai se fazer em relação a produtores rurais é uma outra questão", afirmou ao Duprat ao boletim Mundo que nos rodeia. "Agora que tem que se enfrentar a questão indígena, não resta dúvida. Não adianta supor que esse conflito se resolverá deixando a demarcação em suspenso, como está se pretendendo fazer por meio de recurso à Justiça, por meio de inviabilização da atividade da Fundação Nacional do Índia. Ele poderá ficar suspenso mas não será resolvido", disse.

Informada, a vice-procuradora retornou à história para afastar o argumento de que "suicídios, que durante algum tempo se supôs que fosse um traço cultural daquele grupo, hoje há fortes indícios de que essa questão está associada à insuficiência de terras". Relembrou que o propósito dessa reserva era mesmo o confinamento e não criar um espaço territorial digno. Por isso, "a reserva de Dourados é a coisa mais indigna que existe", declarou sem meias palavras.

Sem poupar os governos da ditadura, lembrou que mesmo no Parque Nacional do Xingu "não tinha a preocupação de respeitar essa diversidade étnica, o modo de vida desses povos". A ideia era "confinar para que eles ficassem ali e não se misturassem à sociedade enquanto não fossem emancipados".

Denunciou ainda que "é uma visão absolutamente racista e que vem da época colonial", voltando ao episódio da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, região em que "o maior rebanho de gado era dos índios".

Frisou ainda o temor das oligarquias rurais. "Esse receio de perder terra para os índios é ignorar qualquer capacidade que eles tenham de contribuir para o que é coletivo". Na visão simplista de exploração dos ditos 'civilizados', em que "entra a relação diferenciada do índio com a terra, que não a vê como um meio de produção mas ele se vê como parte dela".

Com a visão acurada de quem defende a cidadania, a vice-procuradora critica o próprio poder em que atua. "O Judiciário talvez seja o poder mais carente de informações. Não digo o Judiciário local, mas o Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal estão muito distantes", disse, aludindo à "resistência", cujo resultado é o descaso que custa vidas humanas. "Esse distanciamento, a pouca informação e a inexperiência na questão indígena formam um consórcio contrário à solução dessa questão no estado", afirmou.

Ela elogiou o empenho dos grupos de trabalho do Ministério da Justiça. "Na verdade, ainda não se sabe qual o tamanho do território que cabe aos índios, quais são os proprietários atingidos, se são grandes ou pequenos, o quanto isso compromete a questão territorial do Mato Grosso do Sul. Nós não temos nem esse diagnóstico, porque os trabalhos de identificação de áreas indígenas estavam inviabilizados", observou.

Duprat usou a expressão que mais incomoda os donos do poder, a sociedade e os três poderes. "Eu acho que é preciso resolver a questão indígena. Esse é um compromisso que vem da Constituição Federal e de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário".

Denunciou o "desconhecimento da questão indígena no Judiciário", que é patente no caso do julgamento dos acusados pela morte do líder Marcos Veron, julgado em São Paulo, em que "a juíza do caso impediu que os indígenas se expressassem em guarani". E alfinetou: "era preciso permitir que os índios tivessem ali algo que lhes é comum, familiar, que é a sua língua, num ambiente totalmente estranho".

Não ter nenhum dos brancos acusados de assassinato de índios no Mato Grosso do Sul "é de extrema gravidade. Primeiro, que não temos um diagnóstico da violência contra os índios, quantos índios estão presos, onde eles estão. Eu li em uma publicação que só em Amambai a população carcerária indígena chega a quase 40%. Esse é um lado. O outro é a impunidade dos agressores. Esse é um quadro que diz muito a respeito do Judiciário local, tanto federal quanto estadual. Então, há um concurso de fatores, sendo que o principal deles é esta visão de que quem age contra indígenas não deva ser punido", confrontou.

Para a procuradora-geral da República, "os índios em Mato Grosso do Sul estão num processo de recuperação de suas terras". Isso implica insistência e luta, e "não é uma característica só dos índios de Mato Grosso do Sul, processo similar aconteceu no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, na região sudeste".

Ela esclareceu que "o MPF não defende invasões de terras, mas reconhece como legítimo que, de alguma forma, os índios procurem, diante da inércia do Estado, tomar alguma atitude de recuperação de seu território". E por isso o MPF provoca os órgãos estatais para por fim a essa situação de precariedade que vivem os índios.
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grifos do blog

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Prática religiosa e o uso de meios extremos para prolongar a vida em pacientes com câncer

Este provocador estudo é citado no livro "The art of dying", de Rob Moll, publicado pela IVP Books. Foi publicado na revista médica JAMA (Journal of the American Medical Association) em 2009, e está disponível gratuitamente na internete no endereço http://jama.ama-assn.org/cgi/content/full/301/11/1140.

Os autores justificaram o estudo pela ausência de informações adequadamente coletadas sobre o impacto da adesão religiosa frente ao final da vida de uma pessoa com câncer: estas pessoas usam morrem sem usar meios extraordinários de manutenção da vida, quando já não há mais esperança?

Eles avaliaram 345 pessoas em diversos lugares nos Estados Unidos e que estavam com câncer em estado avançado. Estas pessoas foram acompanhadas por, em média, 122 dias. No início de cada acompanhamento foram anotados os planos de tratamento, variáves religiosas e psicológicas e as preferências para o momento de morte.

As pessoas com maior aderência religiosa se mostraram muito mais propensas ao uso dos meios extraordinários de prolongar a vida, como respirador artificial ou manobras de reanimação cardiovascular na última semana de vida.

Rob Moll, o autor do livro, questiona se os cristãos (a maioria dos entrevistados) não estão levando a defesa da vida longe demais.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Debate sobre camisinha é barulho por nada

LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA
Sempre me espanta o fato que se dá tanta atenção ao que o papa diz. Não porque ele não seja uma figura importante (no caso de Bento 16, também um teólogo importante), mas porque muita gente que faz barulho com o que fala não se diz católica.
Afinal, por que tanta atenção? Talvez haja aí algo que a psicanálise possa responder: trauma com o pai? Ser contra a "camisinha" inviabiliza sua distribuição no mundo? Custo a crer que a fala da igreja diminua em uma dezena sequer o número de camisinhas acessíveis. Acho muito barulho por nada.
A Igreja Católica é uma instituição antiga e sábia. Gente mal informada pensa o contrário. Esteve em muitas trincheiras ao longo de 2.000 anos, salvou gente, matou gente. Espírito e corpo, como todos nós. Teve e tem um papel civilizador essencial.
Acho um erro quem considera possível descartar a posição da igreja para com "hábitos sexuais contemporâneos" de forma ligeira como se fora simples "atraso".
Frases como "o mundo avançou muito" são normalmente indício de superficialidade analítica. Homens e mulheres continuam atolados nos mesmos dramas de amor, ódio, sexo e morte.
O foco da igreja deve ser a humanização da sexualidade, o que significa basicamente que se sexo é barato e amor é caro, o primeiro sem o segundo sempre corre o risco de ser degradante.
Neste sentido, o uso da camisinha é apenas paliativo no combate a comportamentos sexuais promíscuos que aprofundam a contaminação com doenças sexualmente transmissíveis (DST).
A melhor forma (todo mundo sabe) de combater DST é a mudança de comportamento sexual (tornar o sexo "mais caro" ao afeto).
Mas isso ninguém quer pensar porque é "feio" dizer que a "vida como balada" é um beco sem saída. Mas é exatamente aí que a igreja destoa e por isso se torna essencial, para além das crenças de cada um.
O pecado da Igreja Católica nesses assuntos é "elevar" demais o nível do debate, saindo do senso comum que é simplesmente achar que sexo se resolve "lavando o corpo com água".
A igreja condena o pecado, mas não o pecador. Aceitar o uso de camisinhas em casos de prostituição pode ser apenas uma forma de "misericórdia" pelo coitado sexual que "vende" seu corpo como escravo.
publicado Folha de São Paulo no dia 25/11/10 - disponível para assinantes em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2511201006.htm

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Bioética e Fé Cristã n 3 ano V

Biblioteca
Bioética em tempos de crise
Oficina III Congresso Evangélico Nacional de Profissionais de Saúde

Biblioteca
A Ética Cristã, o Moralismo e o Amor
Ao sugerir que se falasse sobre ética e vida cristã nós, jovens, pensamos a
priori em uma conotação onde se colocasse num paralelo a ética e a moral, avaliando aquilo que tange a vida do cristão, definindo-o como tal e como emergem questões referentes à coerência entre discurso e ação.

Biblioteca
Islam y Bioética
Los principios fundamentales desde una óptica islámica son el respeto a la integridad física y psíquica, y la
conservación de la perennidad genealógica y de la filiación

Biblioteca
Bioética e Crença Religiosa: estudo da relação médico-paciente Testemunha de Jeová com Potencial Risco de Transfusão de Sangue
Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para Obtenção do Título de Doutor em Ciências
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Editorial

O Tempo

Tenho me visto tão escravo do tempo, ou da falta dele, que resolvi escrever um pouco sobre isso e sobre o quanto perdemos ao longo do caminho.
Quando começamos a edição deste sítio virtual, cinco anos atrás, não imaginávamos alcançar um grande público, pois sabíamos da complexidade dos temas que queríamos discutir. Não almejamos platéia, buscamos antes de tudo fazer a voz cristã ser manifesta, para quem queira ouvir, de maneira equilibrada e sem a carga emocional que normalmente acompanha certas discussões. Não temos as respostas em termos absolutos, sabemos com absoluta certeza as questões que nos incomodam.
Observamos a comunidade cristã sempre hasteando a bandeira da certeza e da convicção para uma sociedade que busca respostas. Àqueles que neste momento pensam em como pode haver razão, pensamento associado à fé, eu cito o verso "Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós".
Imaginemos um cenário: uma mulher, agredida e violentada; uma gravidez resultado de inominável violência. Agora, imagine que isso acontece todos os dias em vários lugares do mundo, e, certamente, perto de você. Uma pergunta: "Pastor, eu posso abortar?". Não ousaria discutir a questão do ponto de vista desta mulher: seu sofrimento, dor, vergonha, feridas físicas e emocionais. Convido-os a pensar na questão do lado desta liderança. Quando penso nas implicações da resposta a se oferecer, se esta for sincera e responsável. Não se trata de um simples sim ou não, trata-se de estar disposto a, como líder, caminhar com esta mulher todo o caminho; assumir junto com ela a parcela do peso que possa ser compartilhado.
Quero saber o que a comunidade cristã tem a dizer quando temos que nos posicionar sobre pesquisa com células embrionárias, eutanásia, ou qualquer outra questão Bioética.
Há que se ter tempo. Tempo para orar, buscar a Deus, ler, aprender, ouvir. Tempo para despir-se dos próprios conceitos e aceitar que os "pensamentos de Deus são maiores que os nossos". É preciso tempo.
Sobre nossas atualizações, consegui melhorar a programação da página para tornar as atualizações mais fáceis. A partir desta edição, podem contar com atualizações regulares a cada período entre trinta a quarenta e cinco dias.
Convido-os as se juntarem a mim na melhor administração do tempo. 'Ele' veio para que fôssemos livres, inclusive da escravidão do tempo.
Paulo de Castro

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O limite ao consumismo

Pablo Bastos

Transpor limites, vencer obstáculos, superar adversários e extrapolar barreiras são expressões muito utilizadas como estratégias para atrair pessoas a consumirem. A todo tempo estamos em contato com um mundo que nos desafia a ir além, mas esta promessa não nos diz além de que, ou onde, buscamos ir, e tão pouco nós mesmos o sabemos. Já falei outras vezes sobre a dinâmica do desejo, que jamais acaba em alguma realização, sempre há um porvir, algo maior a ser buscado, outro limite a ser superado! E, assim, acabamos por esquecer a justa importância dos limites. Algumas coisas simplesmente demandam um ponto máximo de alcance, e o maior dos exemplos é a vida, evidentemente todos nós ansiamos pela vida eterna, mas Deus estabeleceu ponto final à vida de todos nós, aqui na Terra, e devemos aceitar isto da melhor forma possível.
Os caminhos e o mundo estão ganhando formas circulares, que nos conduzem a acreditar determos o poder de enganar o fim, ao o emendarmos em um novo começo. Isto se reproduz em momentos simples do nosso dia a dia, exemplo disto é que não há mais um filme de sucesso lançado na última década que não tenha uma continuação. Os finais deixaram de ser esperados com grande expectativa pelo encerramento, e deram lugar à ansiedade pela continuação. O fim que tanto nos assombra tem sido ocultado por pessoas que desejam vender, e para isto fazem insinuações que convergem com o nosso desejo em não termos limites, mas as pessoas veladamente do luto! O homem deseja com todas as suas forças não ter limites, seja limite de poder, do cartão de crédito ou de chances de fazer algo melhor e principalmente que a sua vida não tenha limites, pois assim pode ignorar a sua impotência inata diante do inevitável fim. Mas não adianta fugir, está escrito na Palavra que nós tornaremos à terra, ao pó, ainda que passemos toda a nossa vida ignorando esta máxima: “no suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.” (Gênesis 3:19)
O consumo desenfreado está relacionado à tentativa de ocultar a inevitável chegada do término, revelando ansiedades e causando angústias de desejo e busca. Mas acontece que vivemos em um planeta onde os recursos, diferente do que dizem as promessas de satisfação eterna e incondicional, são esgotáveis e devemos sim nos preocupar com isto, pois o fim dos recursos está evidentemente ligado ao nosso fim. Os impactos da falta de limite, do conforto e do consumo acima do meio ambiente tem se mostrado lentamente, já se sabe que o mundo funciona de uma forma relacional, ações isoladas produzem conseqüências globais. Eu não vou negar que os limites, bem como o luto, também não me agradam muito, todos desejamos uma infinitude de coisas, trazemos permanentemente conosco a idéia de que é melhor sobrar do que faltar, mas ignoramos que o fato de sobrar, hoje, pode provocar a falta no futuro. Comprar é algo muito bom, gratificante, e movimenta a economia do país, mas devemos ser responsáveis e conhecer os pontos que não convém ultrapassar, pois assim acabamos quebrando uma harmonia que há entre nós e o lar que Deus nos deu. Antes do consumo, devemos pensar no cuidado, o primeiro passo é a reflexão e em seguida pode-se pensar em outros fatores como a reutilização, a reciclagem e a redução do consumo, portanto façam esta reflexão e pergunte-se se o mundo está se transformando conforme você gostaria, pergunte-se também se suas ações são justas, diante do presente recebido por Deus para você cuidar.  

Pablo F. Bastos Ribeiro, Estudante de Psicologia da PUC Minas e Moderador da União de Jovens da Segunda Igreja Presbiteriana


publicado no Boletim da Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte em 21/11/10

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Quando o corpo pede um pouco mais de alma

Rev. Sandro Amadeu Cerveira


Dizer que vivemos numa sociedade hedonista que cultua o corpo e a beleza física como o fim supremo já virou lugar comum inclusive na boca daqueles que gastam boa parte de seu tempo e recursos em academias e "Estetic Centers".
Fico sempre intrigado com esses paradoxos. Os mais velhos (como eu) lembrarão que o livro predileto das misses foi durante um bom tempo "O pequeno príncipe". A história, que tem como cenário um deserto, fala de amor, conquistas, escolhas, rituais e até da morte. Pois esse livro-cabeça era frequentemente mencionado por lindas representantes de seus estados e países em meio a um julgamento que de forma alguma pretendia descobrir sua "beleza interior". Talvez a preferência das misses de então pelo livrinho de Saint-Exupéry não fosse apenas jogada de marketing. Quem sabe esse pioneiro da auto-ajuda já não era um grito por um pouco mais de alma?
Hoje a coqueluche (inclusive internacional) é Paulo Coelho que, desconfio, atende de alguma forma a essa demanda por mais alma. Mas e nós cristãos? Ainda acreditamos que, como o apóstolo Paulo, a piedade tem imenso e eterno valor enquanto o exercício físico tem pouca serventia (1 Timóteo 4:8)? Não duvido de que haja consenso entre os cristãos sobre o valor da piedade. O problema é: que sentido atribuímos a essa bela palavra?
Alguns sinais recentes (barulhos e silêncios) vindos do mundo religioso brasileiro parecem indicar que, para nós cristãos, a piedade se resume ao ódio ao mundo. Isso não é novo, mas não deixa de ser impressionante ver líderes e liderados evangélicos e católicos ostentando com orgulho um discurso raivoso e prenhe de ódio contra o que consideram as obras do príncipe deste mundo: o diabo.
Em alguns casos ele, o "Não-sei-que-diga", aparece com voz gutural e gestos grotescos em meio a sessões de exorcismo televisionado como parceiro de cunhadas, amantes, sogras assim como concorrentes e desafetos que se utilizam dos serviços das religiões de matriz africana no esforço de "atrapalhar os caminhos", "matar" e "destruir a vida dela". Após o show o "encosto" é humilhado, xingado, amarrado e, só no ato final, expulso daquele corpo que não lhe pertence.
Em outros o "Cramulhão" aparece de terno ou tailleur na figura de políticos comprometidos com alguma conspiração internacional (atualmente gay, comunista ou muçulmana) cujo objetivo é "acabar com a liberdade religiosa no Brasil e no mundo" implantando o "império da iniquidade". Nestes casos, como é fácil odiar os políticos, alguns chegam a espumar em meio a frases de efeito e bravatas virulentas. Diferentemente do primeiro caso, não raro ao invés de expulsar "o coisa ruim", faz-se alguma aliança com um "arrenegado" de outro partido ou grupo político. Poderia ainda citar os video games do mal , as roupas com símbolos satânicos, os desenhos animados, mas de qualquer modo a marca desta visão de piedade é a mesma: o ódio, a raiva o destempero e a violência verbal contra os "instrumentos" do "Cão".
Com isso não quero dar a entender que tudo são flores e não que se deve fazer escolhas com base em nossa fé e valores; minha ênfase visa chamar a atenção para o perigo de fazer dessas coisas o fim da nossa fé. A sutileza da estratégia maligna é impressionante, pois independentemente do objeto do ódio (inclusive pode ser o próprio "Galhardo") aquele que se deixa tomar pelo ódio e faz dele seu motor já se inclina para o "lado sombrio".
O discurso e a prática de Jesus sempre foram marcados por outro tipo de motivação: o amor.
Isso mesmo: o Senhor sempre apostou nessa "colinha" frágil, enigmática, volátil, mas que sempre sabemos quando ela falta.
Será mesmo necessário repetir? "Amarás o Senhor teu Deus... amarás o teu próximo". Quem não ama não conhece a Deus. É preciso dizer o óbvio? Quem cultiva o ódio em vez do amor se afasta de Deus. Ponto. Não importa o objeto do ódio, importa que fomos tomados por ele. Em um mundo que busca um pouco mais de alma é preciso lembrar que não basta por mais alma no corpo, é necessário por mais amor na alma. Do contrário seremos almas obesas de rancor e ressentimento.
Os cristãos que focaram no amor como virtude central de sua fé frequentemente foram alvo do discurso raivoso inclusive de outros cristãos muito preocupados com a "pureza", com os "bons costumes", com a "nossa cultura" e assim por diante. Vide a maneira como o próprio Jesus foi tratado por seus contemporâneos moralistas, ou como os quakers pacifistas e abolicionistas foram tratados ou ainda os irmãos anabatistas que se recusaram a pegar em armas contra "os infiéis".
 Será que o sopro do Espírito precisará encontrar outros cenáculos mais receptivos do que a igreja que se diz do Senhor?


* O Reverendo Sandro Amadeu Cerveira além de pastor titular da Segunda Igreja é professor universitário, com formação em Teologia pastoral, graduação em História, mestrado em Ciência Política (UFMG) no momento encontra-se na fase final do seu doutorado em Ciência Política também pela UFMG.


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

É NECESSÁRIO PREOCUPAR-SE COM A LIBERDADE RELIGIOSA NO GOVERNO DA PRESIDENTA DILMA?

Sandro Amadeu Cerveira


Em seu primeiro pronunciamento como presidenta eleita, Dilma Roussef fez questão de enfatizar que zelará pela liberdade religiosa no país. Fiquei imaginando o que os observadores externos ficaram pensando desse compromisso.  Afinal o Brasil não é uma democracia? A liberdade religiosa nesse país não esta garantida?
 
De fato, apesar de jovem, nossa democracia político-institucional já pode ser considerada consolidada. A discussão sobre transição democrática se desloca cada vez mais para os estudos históricos e o debate na ciência política sobre a consolidação da democracia, tão intenso nos anos 90, cede lugar às pesquisas sobre as questões da qualidade de nossa democracia. Salvo para os ainda acometidos da síndrome de colono nossas instituições democráticas têm se mostrado de forma geral  robustas e eficazes no enfrentamento dos desafios próprios de uma sociedade moderna.
 
No que se refere à relação igrejas–estado o Brasil pode ser considerado dos mais avançados, com um regime de separação de Estado e Igreja sem dispositivos jurídicos e políticos particulares à Igreja Católica. A concordata Brasil-Vaticano referendada recentemente pelo Congresso brasileiro pode ser considerada um retrocesso em relação a essa tradição isonômica, mas é preciso lembrar que a aprovação só aconteceu após acordo com a bancada evangélica em troca da extensão das prerrogativas as demais confissões. Comparado com a maioria dos países latinoamericanos é correto ainda dizer que o arranjo brasileiro contribui para a igualdade de direitos entre as diferentes confissões religiosas reduzindo as possibilidades de discriminação religiosa estatal.
 
As igrejas também não podem se queixar do tratamento recebido durante o governo Lula. Apesar do terror disseminado nas eleições anteriores, igrejas não foram fechadas, não foi instituída nenhuma religião civil satanista, padres não foram obrigados a casar divorciados e os religiosos professos não foram discriminados no governo; pelo contrário , os evangélicos, por exemplo, nunca participaram tão ativamente em um governo federal. Marina Silva é agora talvez o nome mais famoso, mas é preciso não se esquecer do papel e destaque de Benedita da Silva, Marcelo Crivela, Magno Malta, Gilmar Machado, Walter Pinheiro entre outros nomes respeitados por sua fé e trajetória política.
 
De onde vem então a necessidade de desfazer esse medo da perda da liberdade religiosa? Pura fantasia? Delírios persecutórios? Creio que não.
 
Desconfio que os líderes religiosos saibam muito bem que nos últimos anos não houve nenhuma ameaça real a liberdade religiosa no sentido de perseguição ou discriminação religiosa por parte do Estado. Acredito que a questão é outra, ou melhor, são outras.
 
A chave talvez esteja no uso nos diferentes sentidos que o termo "liberdade religiosa" pode assumir em distintos contextos. Sob este termo abriga-se uma série de questões relativas a interesses e valores caros ao campo religioso que (como mostrou o final do primeiro turno destas eleições) não podem ser ignorados impunemente. Partindo-se do pressuposto que interessa às instituições religiosas sua manutenção e crescimento aponto dois aspectos que considero cruciais.
 
O primeiro tem a ver com a preocupação com as facilidades e obstáculos que o poder público possa colocar ao exercício da religião e a busca por novos adeptos. Podemos dizer que há aqui uma dimensão passiva do conceito de liberdade. Em outras palavras liberdade religiosa rima com liberdade de e no mercado religioso. No Brasil, devido a uma série de fatores, as igrejas competem pelos fiéis em uma espécie de mercado religioso aberto. Não uso o termo mercado no sentido comercial ou pejorativo. O que quero enfatizar é que ao contrário de outros países onde uma ou poucas igrejas monopolizam com respaldo político e jurídico o campo religioso , no Brasil temos um cenário de verdadeira competição religiosa pluralista.
 
Os líderes religiosos sabem o quanto essa liberdade lhes é favorável  , assim como sabem que é na esfera política que esse arranjo pode ser mudado ou preservado, diminuído ou ampliado. Os debates no Congresso sobre o novo código civil e a lei de criminalização da homofobia que uniram católicos e evangélicos , e sobre a concordata com o Vaticano, que os dividiu , são exemplos da importância da política para a manutenção da "liberdade religiosa".  Neste aspecto a defesa e a proposição de leis "laicistas" que contribuam com a isonomia em relação aos católicos (caso do debate em torno da concordata com o Vaticano) parecem incrementar a liberdade religiosa; por outro lado quando uma lei igualmente laica afirma direitos de outras minorias que possam de alguma forma, gerar empecilhos a pregação religiosa (caso da PL 122) isso é percebido como limitação da liberdade religiosa.
 
O segundo ponto associado ao primeiro, embora distinto, têm a ver com o desejo e a expectativa dos grupos religiosos de influírem na sociedade na qual estão inseridos , em particular no que se refere a temas morais. Nesse sentido o alinhamento é distinto. Católicos, evangélicos e espíritas parecem convergir em temas morais polêmicos tais como aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo, eutanásia, experiências com células tronco entre outros. Neste caso  , liberdade religiosa significa liberdade para influir no processo legislativo evitando-se ou criando leis coerentes com seus valores.
 
Se os valores religiosos vão prevalecer na produção de leis relativas à família, vida, corpo ou se posturas mais laicas serão vitoriosas não caberá a presidenta decidir sozinha. Cabe à sociedade discutir estes temas e em última instância ao poder legislativo deliberar. O debate é urgente e o caso da descriminalização do aborto é sintomático. Durante a campanha presidencial houve um falso debate, ou melhor, nenhum debate e poucos ficaram sabendo, por exemplo, que são raras as igrejas evangélicas que subscrevem ipis literis a posição católica sobre o tema.
 
Se as palavras da presidenta eleita significam que o Brasil manterá o atual arranjo político jurídico que está na base do pluralismo religioso (e nunca houve qualquer razão para se imaginar algo distinto) então os religiosos estão seguros e devem mesmo comemorar. Na verdade todos aqueles que independentemente de sua crença ou falta dela acreditam que a liberdade de fé e consciência é um direito democrático fundamental devem estar felizes com o compromisso reiterado. Caberá a cada grupo religioso aproveitar as oportunidades para divulgar suas crenças e valores  , lembrando sempre que se esse direito não for garantido aos demais grupos ele também não lhes servirá de nada.
 
De forma similar , se as palavras de Dilma reconhecem e visam respeitar a liberdade de participação política dos que defendem posições coerentes com seus valores religiosos na arena política então também não há motivo de preocupação. Isto é inerente ao sistema democrático. Há sim que se preocupar com a qualificação do diálogo e as estratégias de embate. Nem Deus, nem o "Estado Laico" são argumentos em si mesmos e é preciso discutir caso a caso sem desqualificações a priori. Será preciso que os defensores de valores religiosos e laicos também entrem na disputa aceitando que o resultado final é mesmo incerto. Nas palavras de Adam Przeworski "Ama a incerteza e serás democrático". 
  
 


* O Reverendo Sandro Amadeu Cerveira foi pastor titular da Segunda Igreja, atualmente pastor colaborador, é professor universitário, com formação em Teologia pastoral, graduação em História, mestrado em Ciência Política (UFMG) no momento encontra-se na fase final do seu doutorado em Ciência Política também pela UFMG.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Leis definindo o início da vida são úteis?

Dois estados norte-americanos definiram, legalmente, o início da vida ocorrendo na concepção e o aborto como o fim de uma vida humana. Pelo menos outro estado tem proposta legislativa tornando pessoa o não-nascido a partir da concepção.

Diversas opiniões foram emitidas a respeito do assunto:

- este tipo de proposta legislativa realmente auxilia o não-nascido, ganhando ou perdendo, pois traz ao público a discussão a respeito do início da vida, do caráter da criança no útero materno. Por exemplo, se ela é um ser humano tem o mesmo direito dos demais, incluindo o principal de todos, viver? (Kristi Burton Brown)

- obviamente que legislação tornando público o fato de que uma nova vida humana se inicia na concepção auxilia o não-nascido. Não importa o quão vulnerável possa ser, é um ser humano. Nascemos na vulnerabilidade, na dependência do outro e, obviamente, morreremos da mesma forma. Do zigoto ao coma irreversível permanecemos igualmente humanos. (Gilbert Meilaender*)

- há sólida base científica para chamar os não-nascidos de seres humanos. O debate que permanece é se é eticamente desejável proteger ou não seres humanos por faltarem certas características. E o debate não poderá ser honesto se não formos claros que não é sobre humanos X não-humanos, mas sobre humanos com características distintas. (John Kilner)

- esta é a batalha final sobre o que é e o que não é uma pessoa. Se pudermos dizer que alguém não é uma pessoa, podemos fazer o que desejarmos com ela: no início ou no fim da vida. O debate atinge os comatosos e os doentes com Alzheimer: são eles pessoas? Se não são, podemos ajudá-los a morrer. O aspecto mais básico desta discussão é o que é uma pessoa, e os cristãos deixaram os não-cristãos conduzirem o debate por muito tempo. (David Stevens, president, Christian Medical Association)

- na discussão sobre o aborto, este tipo de atitude não ajuda, pois não mira o ponto central da questão, o relacionamento. Quando um aborto acontece, a mãe diz "eu não posso ser sua mãe"; "não posso, não serei, não desejo ter um relacionamento com você". Leis não falam deste aspecto. (Bob Smietana)

- discussões úteis relacionadas aos embriões humanos, como aborto e rastreamento genético, são prejudicadas por um tipo de "visão de túnel". À direita, pessoas focam exclusivamente a personalidade do embrião, e à esquerda, exclusivamente o direito de escolha. Definir personalidade não faz a discussão avançar, apenas codifica uma situação familiar. O que está faltando na discussão da ética reprodutiva é consideração com compaixão de histórias reais de gravidezes não planejadas e de histórias familiares de doenças genéticas. Ir além da repetição de velhos argumentos levando em consideração a complexidade da situação levará o debate aonde lei nenhuma conseguirá. (Ellen Painter Dollar)

* autor de "Bioética: uma perspectiva cristã" e "Bioética: um guia para cristãos"

tradução livre, e adaptada, por Eduardo Ribeiro Mundim do artigo original
"When Life Begins: Do laws defining personhood help the unborn?" - publicação original http://www.christianitytoday.com/ct/2010/november/2.12.html

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um Domingo Espetaculoso - ou Cenas de um novo Bestiário: Réplica

Eduardo Ribeiro Mundim

A última postagem, que aborda reportagem da Rede Record sobre o infanticídio indígena, mereceu um comentário sucinto, que direciona ao endereço http://direitopublicoediversidade.blogspot.com/2010/11/um-domingo-espetaculoso-ou-cenas-de-um.html. Faço as minhas considerações sobre o que está exposto naquele atalho.

1. as imagens mostradas não são supostas reconstituições de supostos homicídios. Não há razão racional para duvidar da reconstituição - pode-se duvidar do homicídio. Estas imagens são tiradas do filme "Hakani" (que pode ser acessado em www.hakani.org, incluindo bastidores da filmagem) e são, até prova em contrário, reconstituição fiel de uma prática cultural que atenta contra a continuidade física (e portanto cultural) de povos indígenas distintos.

2. o termo infanticídio não é correto, dentro da terminologia do direito. Mas, como outras palavras, perpetua-se para descrever uma determinada situação particular.

3. somente o telespectador irresponsável concluirá, com base na reportagem (disponível em http://noticias.r7.com/videos/exclusivo-aldeias-indigenas-sacrificam-criancas/idmedia/081f526d82f8899a4d5f5438920fd581.html - disponível na íntegra, 21 min) de que os índios são demônios assassinos. Concluir que a maioria da população brasileira tomará esta atitude é depreciá-la; é negar a capacidade de se formar opiniões através da discussão ampla e democrática, com participação ativa da elite intelectual (aqui entendida por todos os brasileiros com formação universitária). Como pode ser comprovado pelo vídeo, há uma preocupação de todos os envolvidos em não transmitir este preconceito. Convido os leitores a pontuar estes momentos (se existirem) e confrontá-los com o "texto" completo.

4. concordo com a avaliação da situação dos povos indígenas, e com todo o mal que causamos a eles quando invadimos o território por nós batizado de Brasil há 500 anos atrás. Discordo que a reportagem os vulnerabilize mais - entendo que ela os humaniza à medida que mostra como povos que nos são desconhecidos compartilham conosco de angústias existenciais importantes - para as quais deve ser buscada uma saída.

5. Marcia Suzuki é evangélica, obreira da JOCUM. Etnolinguista, com mestrado; uma das poucas brasileiras que domina idiomas indígenas para os quais, até há algum tempo, a FUNAI não tinha em seus quadros. Dizer que sua única atividade junto aos indígenas é a evangelização constitui preconceito. Sugiro que sejam apresentadas evidências do fato.

6. os termos da publicação são preconceituosos, na minha opinião, a respeito da JOCUM e da ATNI.

7. não vejo manipulação das falas indígenas. No contexto de toda a reportagem, busca-se evidenciar a difícil situação que uma prática ainda existente coloca as comunidades indígenas.

8. o "infanticídio" permanece como prática, existindo, além de testemunhas, dados estatísticos esparsos. Dizer que não existe de forma nenhuma é irreal; dizer que é uma prática generalizada, idem.

9. o projeto de lei, conhecido como Lei Muwaji, não criminaliza o indígena na forma apresentada pelo Deputado Henrique Afonso. A proposta está disponível na rede em http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=459157.  Torna crime o todo aquele que tomar conhecimento de situações de risco (e por razões de coerência exclui os indígenas) e não tomar as medidas de proteção para a criança, e explicita os órgãos públicos responsáveis, nas suas áreas de atuação, para o fato. Mira os não-índios que prezam o costume cultural sobre a vida resgatável.

10. sobre a habitual omissão da FUNAI, cabe a ela se manifestar, o que inclui ação judicial contra a Rede Record por falsidade, se for o caso.

11.  lamento o preconceito, que o autor (a) deixa transparecer em todo o texto. A tentativa de isenção neste aspecto foi infrutífera frente a todo o comentário