sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Os especialistas / um evangelho egoísta

"Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor e maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos." Atos 02: 42-47 (NVI)

O crescimento da Igreja dos crentes é um relato empolgante: temor, amor e calor misturados à oração, perseverança e comunhão. Há neste registro tudo o que sonhamos e precisamos para crescer, um crescer saudável e duradouro; não esse processo no qual a Igreja incha por uns tempos e depois volta ao que era, ou regride. Na labuta pelo aumento do rol lançamos mão de todos os meios lícitos, válidos, cristãos e nem tanto.

Diferentes em tudo da Igreja primitiva buscamos na empresa secular os modelos alternativos de crescimento; ainda que o Evangelho que salva e transforma e o Espírito Santo que dá o crescimento sejam os mesmos, imutáveis desde a eternidade, nós insistimos em novas "técnicas" de expansão do Reino.

Tornou-se comum em nossos dias o surgimento de denominações "especializadas" em seguimentos do Evangelho, e fazendo-se "especializadas" fazem-se também arrogantes e relapsas; prega-se um evangelho adaptável, que se adéqua às necessidades do cliente, digo, do crente. Avulta-se o relativo em detrimento do absoluto.

Então temos: quebra de maldição hereditária, e só; confissão positiva, e só; teologia do riso, e só; descapetização, e só; batalha espiritual (seja lá o que queiram dizer com isso), e só; curas e milagres, e só. Cadê o Evangelho integral, bíblico e gratuito? Na minha igreja nós sentimos um imenso e santo orgulho quando dizem que ninguém estuda a Bíblia com maior zelo do que nós; mas, que as mesmas pessoas não apareçam nas reuniões do ministério de oração; um vazio de dar dó. Yes! Nós temos um ministério de oração, Uau!

E quase em frente (à minha igreja) abriram uma "igreja de campanha" e do amanhecer ao anoitecer eles oram e contribuem e empilham envelopes de pedidos e ofertas; (de onde vem tanto envelope?), mas nunca os vi calmamente assentados obedecendo à ordem: "Examinai as Escrituras!" Precisamos de uma e de outra coisa, precisamos atentar para o que diz Pedro: "Crescei na "graça" e no "conhecimento" de Jesus Cristo." II Pe 3: 18. Eu sei, estiquei o versículo!

Carregando o slogan do evangelho social nos tornamos assistencialistas, distribuidores de cestas básicas, e só; sequer oramos por aqueles carentes de tudo, e Mateus 4: 4, como é que fica? Pregamos o Evangelho, a Jerusalém celestial, mas agimos como se aqui e hoje não fossem importantes, mandamos todos para o porvir, sem escalas.

Intercessores, e só; ao passarmos por um "nu faminto sedento enfermo", ao largo passamos. Mt 25: 35. "Ama o teu próximo" vem no vácuo de "Ama o teu Deus"; amo Deus e deixo meu irmão na pior? A igreja da benção "A" despreza a igreja da benção "B" e juntas desprezam a cruz.

O nosso egoísmo produz igrejas egoístas; ouvi um pastor "social" dizer que a igreja dele crescerá "pra dentro"; adeus missionário.

A Igreja precisa apresentar os cuidados com o crescimento social e espiritual aliados à experiência de transformação, da presença soberana do Espírito Santo; estudo bíblico e oração; sopão e louvor e cura cabem no mesmo templo. Adicione conversões aí.

Não precisamos de um evangelho da cura, outro da libertação, da prosperidade, um evangelho da quebra de maldição; mas precisamos da cura, da libertação, da prosperidade, da transformação e da salvação que em nós opera o Evangelho de Jesus, o Cristo.

A santidade em nós é que expressa o poder do Evangelho; os bens aparentes não oferecem uma visão clara da presença graciosa de Deus em nós; os ímpios são escandalosamente "especialistas" em ostentar esses bens aparentes, esmagam melhor do que nós.

O bom perfume de Cristo, a boa sensação causada pela tradução da cruz em nós e que nos diferencia, é que revela que somos humanos de volta à imagem e semelhança do Criador. Igreja que fala de um novo Céu, mas que vive uma nova vida aqui, e divide-a promovendo um todo.

Especialistas sim, especialistas em Deus, e só.

(ex-interno do Centro de Recuperação de Mendigos – Missão Vida)

www.mvida.org.br conheça-nos!

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=mural&local=mural_show&util=1&registro=2164

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Igreja: decifra-me ou devoro-te

Derval Dasilio

Diria a esfinge. Esta figura egípcia definiria melhor a igreja sociológica cristã atual, em razão de sua imagem total, um ser composto de várias formas: tórax de leão, corpo de touro, asas de águia, cabeça de homem – símbolos imediatos nos domínios ancestrais atávicos. Leão: vida emocional. Águia: vida mental e intelectual. Touro: vida instintiva e vegetativa. Homem: consciência da existência total. Sabemos, no entanto, que os símbolos biblicamente são outros. Assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos não são esquecidos como influência literária.

Poderíamos visualizar na igreja um lugar para "comer junto", comunhão em torno da mesa? Externamente, vive-se mentirosamente sob uma ideia comum de comunhão (Igreja de Cristo), porém são diversos os sentidos que damos aos sacramentos e à missão na diversidade anárquica. Comer na mesma "mesa", comunhão de diferentes nos alimentos da "ceia do Senhor", hospitalidade eucarística sem restrições, era um grande problema. Continua sendo. De fato, cristãos mediterrânicos adaptavam-se e compreendiam a Eucaristia ("eucaristein") e a diversidade por força do ensinamento apostólico.

O reino de Deus não se confunde com igreja alguma; fundamentalista católica ou protestante. Os perseguidores estão também no meio da comunidade. Apontam o fracasso, aguçam o desespero, instilam a covardia e o temor ao naufrágio, analisam o futuro de modo pessimista. Cristo, porém, na fé apostólica primitiva, é concreto, e não um produto de mercado ou um símbolo salvacionista abstrato. Não é um nome que possa ser utilizado impunemente na venda de amuletos, produtos simbólicos, religiosos e "curativos" (mesmo que seja um "cristo" como esparadrapo e analgésico). A magia, o curandeirismo e a superstição constituem um perigo tempestuoso que leva ao naufrágio.

A religião pessoal recente, contemporânea, não é estranha à igreja do tempo bíblico. Nesta as aspirações espirituais se misturavam com solicitações grosseiras e vulgares de satisfação física e material (H.H.Rowdon). Não havia uma linha demarcatória entre o culto mágico e a nova religião dissidente do judaísmo bíblico. Práticas de astrologia, adivinhação, eram elementos que permeiavam o culto cristão. Papiros de magia contendo orações e hinos "libertadores" eram elementos que circulavam juntamente com esboços das fontes dos evangelhos. Maldições e pragas se insinuavam em práticas supersticiosas repulsivas. Qual a diferença hoje?

A fé da igreja apostólica, "Eu te estabeleci como luz entre as nações, para que sejas portador de salvação até os confins da terra" (At 13.47), extinguiu-se? Muitos se enganam quando insistem que as comunidades nascentes no período neotestamentário viveram sem conflitos; que tiveram identidades únicas definidas com rigor doutrinal. Idealização absurda, irreal. Não houve jamais eclesiologias idênticas, que organizam os ministérios ordenados uniformemente (impossível dedução, diante da diversidade mediterrânica). Missão e sacramentos são compartilhados em recomendação apostólica: a Igreja é missão e ministérios, em totalidade, afirmou Joaquim Beato.

Falta-nos examinar estes pontos e contradições. Os conflitos vão crescendo, as dificuldades se impõem. Atos dos Apóstolos, minimizando, mantém seu objetivo conciliatório. Mas a igreja de Jerusalém é apostólica, ecumênica, missionária e diaconal.

A questão dos pobres e dos excluídos na igreja também estava em relevo (At 2.42-47; 4.32-35), por exemplo, e no século seguinte passaria para o segundo plano, para ser "amortecida" por quase vinte séculos. Com raras exceções, como enfatizavam Francisco de Assis (século13), Spener (século 17) e mais tarde John Wesley (século18). Mais recentemente, Bonhoeffer, Luther King, Romero, Hélder Câmara, Jaime Wright, Mandela, Desmond Tuto.

A questão das desigualdades desinteressava a comunidade cristã enquanto tomavam forma movimentos de espiritualização e ascetismo, de iconoclastia e "purificação" de símbolos eclesiásticos, entre outros. Não se passa incólume sobre esta questão, pois pobres e oprimidos, como tais, são tema permanente do Evangelho de Jesus Cristo, entre diferentes e vítimas das desigualdades. "O reino de Deus e a sua justiça" deveriam ser uma bandeira da Igreja. Enfim, o que é mesmo a Igreja, se levamos em conta as deformações do momento? Decifra-me ou devoro-te...


• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. www.derv.wordpress.com

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=3&registro=1155#

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A ditadura da Lei e a democracia do Espírito - implicações éticas

Eduardo Ribeiro Mundim

As Escrituras Sagradas expõem de maneira extensiva dois padrões de aliança entre Deus e os homens, ainda que relate várias alianças diferentes. Ambas são vontades explícitas dEle para o homem pecador, e uma sucede a outra, na linha cronológica.

A aliança com Israel nasce de um ato redentor, executado uma única vez, ao custo da vida de milhares de primogênitos, um sem número de soldados sepultados pelo Mar Vermelho e de severos reveses financeiros (gafanhotos, granizo e a morte dos primogênitos dos animais). A geração que viveu estes acontecimentos, com seus filhos, teve a oportunidade de aceitar o pacto oferecido, ou de recusá-lo. O pacto oferecido era o cumprimento de uma promessa feita aos Patriarcas algumas centenas de anos antes, continha obrigações de ambas as partes e foi aceito em nome dos descendentes. Não havia dispositivo na Lei que fizesse um filho hebreu avaliar sua pertença, ou dela se desligar voluntariamente. Apostasia era punida com pena de morte, assim como outros crimes "teológicos" (blasfêmia, por exemplo), "litúrgicos" (trabalho no sábado), contra a vida (homicídio intencional) e contra a santificação (diversas relações sexuais vetadas). Ou seja, cem anos após a chegada na Terra Prometida, os filhos de Jacó, querendo ou não, seriam circuncidados (uma semana após o nascimento) e passariam a viver sob as leis de um pacto não aceito por eles, baseado na livre escolha divina de fazer Israel Sua luz entre os demais povos.

A aliança do calvário nasce de um único ato redentor, jamais repetido, ao custo único da vida humana de Jesus, o Cristo de Deus - Deus feito homem, Deus que se esvazia e assume a forma, a vida, as vicissitudes de ser humano. Aliança proposta se baseia no Seu corpo e no Seu sangue, somente podendo ser aceita livremente pelo indivíduo, e não por algum representante, mesmo familiar direto. O batismo infantil, na visão protestante, significa apenas a intenção dos pais de que a criança batizada será criada de modo a, no momento oportuno, exercer seu direito de escolha, confessando Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O comportamento ético é muito mais um processo de santificação progressivo e infindável que um comportamento exterior inatacável, inexistindo pena capital ou de castigo físico. A igreja tem como recursos disciplinares a admoestação privada, a pública, a suspensão da participação da eucaristia e a exclusão da comunidade de fé, nunca medidas perpétuas, mas sempre com a possibilidade do perdão, pedra sobre a qual todos são remidos.

Ambas alianças nascem no coração dAquele que sabe o que é melhor para o ser humano. Contudo, Ele não repete o padrão da Velha Aliança na Nova. Na primeira, buscava-se uma nação santa, inclusive enquanto sociedade civil; na segunda, povo santo em meio a uma geração "má e adúltera" (expressão que, salvo engano, refere-se aos judeus e não aos gentios...), a qual é ordenada submissão enquanto dentro do estatuto de um governo centrado nas necessidades de todos e não no ego do governante, mas não ao preço da apostasia.

Enquanto povo separado, é guiado espiritualmente por líderes nem infalíveis, nem perpétuos. A regra é "sujeitai-vos mutuamente uns aos outros" (e os presbíteros e diáconos não são exceção),cabendo à comunidade, muitas vezes, a palavra final sobre disputas internas (que não deveriam ser apresentadas aos tribunais do Estado). Solidariedade mútua, onde o governo da igreja (enquanto povo) existe em função da igreja (enquanto povo, e não instituição).

Quando confrontados hoje com as difíceis questões de harmonizar, em uma sociedade que jamais será cristã (pelo menos em uma vertente escatológica), interesses díspares, frequentemente contrárias à vontade de Deus expressa nas Escrituras, qual o modelo que adotamos? E por quê?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

De Caio Fábio para Bráulia Ribeir

Querida Bráulia, graça e paz!

Li o texto Alexandre (Ultimato, edição setembro/outubro, 2009) e me comovi profundamente com a dor de vocês, tão simples e verdadeiramente expressa pela Bráulia.

Você e eu já tivemos todas as chances de nos tornarmos mais próximos em razão de amigos comuns e de muitas identificações simples e práticas no Evangelho. Além disso, muitos já fizeram tudo para que isto acontecesse, mas as circunstâncias não permitiram; e a culpa é minha, não sua.

Não posso dizer que leio o que você escreve, que pesquiso, que estou informado sobre você em detalhes...

Sabia e soube de você mais pelo George Foster, pelo Pedro do Borel (hoje no Egito), pelo André Fernandes e pelo Tiago da Jocum em Brasília, do que por quaisquer outros meios. E todos me dão o mesmo testemunho; sim, falam-me da carta escrita com amor de Deus em seu coração para com todos os que passam em seu caminho.

Entretanto, amiga no Senhor, somente Jesus nunca foi levita e sacerdote na estrada, sendo sempre o samaritano.

Sim, além dele, todos os demais somos samaritanos de vez em quando, e ficamos felizes com isso. Embora em nossa ignorância e distração não registremos a quantidade enorme de vezes em que passamos de largo fazendo da agenda da estrada [...] o caminho de nossa pressa, e não fazendo a estrada submeter-se ao caminho interior, ao invés de seguir o roteiro da estrada [...], todos os dias vejo-me escolhendo apressadamente as agendas da estrada enquanto negligencio a agenda do caminho.

O levita e o sacerdote seguiram a estrada e seu "tempo". O samaritano seguiu o seu caminho.

A estrada, todavia, é apressada, diferentemente do caminho, que só segue quando tem a permissão da vida para passar. Graças a Deus somos perdoados todos os dias pelas escolhas da estrada contra as veredas calmas do caminho!

Entretanto, o que desejo de coração dizer a você, publicamente, visto que seu texto é público, é que nem você e nem ele têm esse poder todo! Sim, vocês não têm o poder de saber nada além do que se tornou história com as configurações de "história" [...] de passado, portanto.

Na noite que meu filho Lukas morreu atropelado saindo de uma festa com os irmãos, antes de ir ele me ligou e me disse que estava meio cansado, a fim de dormir, e que se fosse seria apenas pelos irmãos e porque lá haveria uma moçada da Igreja Presbiteriana Betânia que ele não via há muito tempo.

"Vá meu filho! Vai ser legal! A Bruna está indo só por sua causa. E ela já saiu!", foi o que eu disse; e ele foi.

O interessante em tudo isto é que por uma certeza mais profunda do que a morte dele naquela noite, eu sabia que não fora a "minha força" que o pusera no chão daquela estrada fria de Itaipú. Havia um caminho naquela estrada que estava para além de mim. E certamente muito para além da própria estrada.

Conheço a sensação de não atender a insistências que acabam de modo catastrófico. No curso da vida já deixei para visitar no dia seguinte muita gente que morreu durante a noite; já adiei idas que se confirmaram atrasadas depois dos fatos; já passei e soube que o "deixado" não resistiu; já sim, já muita coisa...

Sei também que o nível de pessoalidade do conhecimento do moço que se autovitimou aprofunda qualquer dor. Aumenta toda sensação de culpa e exacerba as perspectivas de responsabilidade e de omissão. Tais fatos, todavia, servem a nós de muitos modos quando o coração é como o de vocês.

A gente aprende que todos estão a um passo de qualquer coisa.

A gente aprende que por vezes nem todos os esforços do mundo mudam determinadas realidades.

A gente aprende que muita dor culposa que se sente decorre da culpa da bondade cristã salvadora, a qual assume para si poderes de salvação que não estão em nossas mãos.

A gente aprende a discernir quais são as coisas que podem esperar ante um desespero e quais não podem.

A gente aprende que nem todo desespero tem que parar o nosso caminho também.

A gente aprende, sutilmente, o que é agenda da estrada e o que é agenda do caminho.

Mas ninguém aprende isso sem se sentir levita e sacerdote de vez em quando, posto que nossos atos samaritanos são emblemáticos, mas nossas omissões levíticas e sacerdotais são a regra na agitação de nossas inúmeras distrações.

O pecado é adotar o caminho do levita e do sacerdote como modo de se desviar de gente na estrada. Ora, esse jamais foi ou será o caso de vocês, graças a Deus.

Entretanto, o mesmo samaritano um dia deve ter tido seu dia de levita. Ou, então, ele seria "Ele". E não era...

Assim, minha oração é uma só nesse particular: "Senhor, faz de mim o samaritano possível no dia de hoje em minha existência! E salva-me dessa horrível tendência natural que tenho a, na estrada, preferir a omissão do caminho do levita e do sacerdote!".

Sim, pois o mais devotado dos samaritanos tem seus momentos de pressa de levita e de sacerdote. E mais: isto é assim para que todo ato samaritano de nossa vida seja pura glória e graça de Deus sobre nós; e não fruto de nossa certeza de que em nossa existência não existem omissões.

Louvo a verdade de sua dor sincera e exposta de modo tão simples e franco.

Recomendo, no entanto, que essa dor se torne louvor àquele que amava o Alexandre, e que o ama e que o tem em seu seio, pois quem danou o Alexandre apenas por que a dor de sua perturbação mental o levou a um desatino?

O Alexandre, sim, o do salmo, o que buscava consolação onde há consolação, era apenas um jovem em estado de perturbação adquirida pelo vício. Não era filho do inferno.

Nenhum diabo teve o poder de tirar o Alexandre das mãos do Senhor Jesus! Assim como nenhum diabo tentará (e vencerá) vocês com a culpa de que poderiam ser os salvadores do Alexandre e não o foram.

Manos amados, também isto está consumado! Recebam meu amor e meu carinho sincero e cheio de orações.

Nele, em quem nenhum de nós tem o poder de salvar, mas apenas o de cooperar com o Salvador, o qual salva com ou sem nós,

Caio


• Caio Fábio D´Araújo Filho é psicanalista clínico, escritor e pregador do Evangelho da Graça de Jesus. caiofabio.com
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terça-feira, 13 de outubro de 2009

A Palavra de Deus requer uma nova leitura, defende teólogo

Trinidad Vásquez


Managua, terça-feira, 6 de outubro de 2009 (ALC) - "A vigência da Palavra de Deus hoje, num mundo convulsionado social, econômica, política e culturalmente, tem de ser reconstruída a partir de uma leitura alternativa e com um espírito disposto à experiência", declarou o teólogo Alberto Araica, em palestra nesta capital, no marco do Dia Nacional da Bíblia, em 30 de setembro.

"Precisamos nos dar conta que é preciso observar mais o silêncio na hora de aprender dela", argumentou. Para o teólogo, muitos ficam atraídos pelo fundamentalismo religioso, que usa textos pinçados do texto sagrado para defender posições que lhes são convenientes. "Isso nos isolou e fez com que perdêssemos o significado da vigência da Palavra de Deus para o homem globalizado que vive num mundo pós-moderno", argumentou.

O teólogo alertou, contudo, que não se pode ficar presos aos dogmas denominacionais, mas é preciso ter uma ampla visão ecumênica. No mundo globalizado, onde desponta o individualismo, o livre mercado e a privatização, é "imprescindível a leitura do Evangelho desde uma perspectiva comunitária que leve a um entendimento comum", disse.

Araica frisou, bem por isso, que é preciso descobrir que a Palavra, além da letra e da tinta, tem de ser descoberta em comunidade, "aprendendo a ver e escutar a Deus na experiência do dia a dia".

"A mensagem das Sagradas Escrituras têm de criar pontes de aliança e solidariedade até mesmo com aqueles que pensam diferente de nós", destacou.


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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Cristãos (in)tolerantes: destino inescapável?

Eduardo Ribeiro Mundim

Há poucas semanas houve uma manifestação no Rio de Janeiro pelo fim da intolerância religiosa. Ato ecumênico, no sentido amplo da palavra, aberto a todos que professam alguma crença religiosa, teísta ou não.

Tolerância parece ser uma palavra em moda.

Tolerância é a boa disposição do que ouve idéias contrárias as suas, ou liberação do cumprimento de alguma norma. Tolerante, portanto, é aquele capaz de ouvir com boa disposição (boa quer dizer favorável, propícia, sem desejar o mal) manifestações de pensamento que lhe são contrárias, ou que das quais discorda, respeitando o direito do outro de tê-las e expressá-las.

Será tolerância uma atitude possível? Será a intolerância o destino de todo aquele que crê?

Crer em algo significa não crer em outro algo. Acreditar na realidade, na existência, da reencarnação não é compatível com acreditar na aniquilação do ser na morte; ou na ressurreição dos mortos. Aceitar como verdade final a ressurreição dos mortos é considerar a reencarnação como não existente, como não verdade. Não é possível ter fé, aceitar como verdadeiras, todas as confissões religiosas existentes, teístas ou não. Desposar uma é,. por definição, não desposar as outras. Monogamia sólida!

Imaginar ser possível poligamia confessional, mantendo cada fé sua individualidade e particularidade, é acreditar que a cor branca é a mesma cor preta; ou que óleo e água se misturam, mantendo suas características que as definem.

Ser cristão é não ser mulçumano; ser mulçumano é não ser espírita; ser espírita é não ser budista; e assim por diante. Ser xintoísta é não acreditar no juízo final cristão; ser panteísta é não acreditar em um Deus pessoal.

Crer que todas as religiões, em sua totalidade, são verdadeiras (o que é diferente de crer que todas tem um sistema ético coerente, saudável, possível, fomentando o bem e lutando contra o mal) é não crer em nenhuma, e tentar criar uma nova.

Crer não impede a aceitação da idéia contrária do meu próximo. Mas até que ponto eu posso expressar minha não-crença na verdade da fé do meu próximo sem ofendê-lo (ou seja, agredí-lo, fazê-lo sentir-se mal ou desconfortável)? Ofende dizer que transmigração de almas é uma grande bobagem? que quem acredita em exorcismos é um ignorante? que um Deus triúno é uma blasfêmia?

Edir Macedo (é manifestação de intolerância chamá-lo de "autodenominado bispo") escreveu um livro, "Orixás, caboclos e guias: anjos ou demônios". Em um tempo, foi retirado da circulação por ordem judcial, porque desrespeitava os cultos de origem africana. Quem foi o intolerante: o bispo, que sugeriu a identificação de orixás com o demônio bíblico ou os adeptos do candomblé, que não foram capazes de respeitar a opinião dele fortemente contrária?

Há um ruído na internete a respeito de uma peça teatral que representa Jesus como homossexual, em orgia com os discípulos. Isto me ofende (causa desconforto, entristece-me). Mas porque O considero Deus Filho, como reza o credo de Niceia-Constantinopla. Não tem o direito de sentir-se ofendido aquele que crê em "bezenção" se o chamo de supersticioso? ou se pinto um retrato de Maomé, atitude blasfema do ponto de vista do mulçumano?

E como evangelizar sem ofender? Temos o direito de, em nome do Evangelho, causar sofrimento, vergonha, dano moral, aflição, restrição financeira, etc? Existe o direito do outro em causar-me sofrimento, vergonha, dano moral, aflição, restrição financeira ou social por ser eu cristão?

domingo, 4 de outubro de 2009

Alexandre

Bráulia Ribeiro

Conhecíamos Alexandre há mais de cinco anos. Chegou com 20 e poucos, com o cérebro já detonado pelo crack. Durante o curso de discipulado foi alcançando coerência, e, ao fim de seis meses, voltou à sua casa para fazer vestibular, ciente do que queria: ser piloto missionário. Terminou o ensino médio, inspirou o pai a estudar e fizeram vestibular juntos. O pai passou em direito -- Alexandre, ainda tratando de ser lúcido, não.

Vieram outras crises; a razão saía por uma fresta da janela, ficava uma algaravia religiosa indecifrável. Nas crises, ele nos visitava para longas conversas. Nunca foi mau o rapaz. Eu sempre lhe sabia gentil, apesar das incoerências. Meu marido tinha ouvidos para lhe decifrar as angústias no meio da verborragia. Aconselhava, ouvia.

Nos últimos meses, Alexandre começou a observar minha filha que se tornava menina moça e a notar-lhe a beleza florescendo. Ligava às três da manhã falando da menina que vira no balanço, de suas amiguinhas, do toque puro que lhe deu na perna, de como Deus ama os anjos. Meu instinto de mãe se põe de guarda. Aviso às coleguinhas e, quando Alexandre vem, eu o acompanho ao redor da floresta que circunda a comunidade.

Na terça-feira a bicicleta com adesivo Yokohama para na minha porta. Nesse dia Reinaldo está com pressa. Explica pro Alexandre:

-- Tô de saída. Tenho reunião com pastores na cidade.

O rapaz insiste, mais transtornado que nunca na esperança absurda que tem em Reinaldo.

-- Você é meu pai, meu pastor, eu preciso de você.

Reinaldo começa a se irritar. Explica que não dá. Alexandre implora.

-- Deixa eu voltar pra viver aqui com vocês.

-- Como? Você se droga, anda por aqui observando nossas crianças e me liga de madrugada falando nelas. Como posso confiar pra te deixar morar aqui?

-- Não vou fazer nada com elas, só quero ser como elas, nascer de novo numa família de Deus, Reinaldo. Eu quero ser de Deus e não sei como, será que elas me ajudam?

-- Hoje não posso. Tô atrasado demais. Olha, já fizemos tudo o que podíamos por você. Agora acabou.

-- Como acabou? Não acaba não, olha.

E mostrou um rolo de papel higiênico que tinha nas mãos.

Reinaldo se irritou com aquele rolo -- me contou depois --, mesmo assim segurou a ponta enquanto o menino desenrolava lentamente tirando de dentro uma Bíblia pequena amarfanhada, pra ler o Salmo 136.

-- Olha o que a Bíblia fala: "Rendei graças ao Senhor, porque seu amor dura para sempre".

E assim foi lendo parado no sol quente ao lado do carro o Salmo todo enquanto Reinaldo tentava lhe dizer que estava atrasado, que era pastor, que conhecia a Bíblia, que voltasse depois ou nem isto.

Foi-se o pastor pra reunião e o garoto em desespero para a estrada quente de bicicleta. Reinaldo disse que ainda o viu quando voltava, pedalando, percebendo o carro, mas nem o parou de novo como seria seu costume. Virou o rosto como se dissesse: "Olhe, você, meu pastor, falhou, me trocou por uma reunião, não me ouviu, deixou que seu amor acabasse, sendo que o amor de Deus nunca acaba".

Acabou também naquela tarde a história de Alexandre e sua busca por Deus. Na manhã seguinte sua irmã nos ligou, chamando para o velório. O rapaz se matou na tarde anterior nas rodas de uma carreta de carga depois de duas outras tentativas. Choramos eu e Reinaldo muitas lágrimas de angústia, desespero e culpa, e ainda choro enquanto escrevo isto. Por nós, e por todos os Alexandres da vida que encontram na rua os levitas e não os samaritanos.


• Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical. braulia.ribeiro@uol.com.br

fonte: http://www.ultimato.com.br/?pg=show_artigos&artigo=2474&secMestre=2488&sec=2506&num_edicao=320