quinta-feira, 17 de julho de 2008

Cultura, Jardim do Éden e Apocalipse

Segundo Rubem Alves1 a cultura é uma conseqüência da imaginação do homem, o único animal que não é o seu corpo, mas o possui; cultura, ou mundo imaginário, que somente surge porque há uma ausência básica, que se manifesta através do desejo. Este, como nunca é satisfeito, torna-se representado pelos símbolos. O mundo real tem de fazer sentido, por isso o homem atribui valores a diferentes aspectos deste real, buscando na dureza da realidade, torná-la mais humana.


Apesar de teólogo por formação inicial, Rubem Alves não parte, naquele livro, do ponto de vista bíblico. Mas não posso deixar de pensar no relato de Gênesis tendo a hipótese dele em mente.


E o que vejo é um desafio para o primeiro casal: construir um mundo imaginário que, de certa forma, se tornasse um pouco deles mesmos, e não algo que lhes fosse completamente externo. Para alguns crentes, é sempre bom lembrar algumas lições que o Éden traz: Deus não é suficiente para o homem! Ele necessita de algo que a Trindade não lhe pode dar, porque assim Ela o definiu ao criar o homem do material da terra. "Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe CORRESPONDA" (2.18) Por livre e soberana decisão, Deus dá ao homem a constituição de só ser completo na presença de um igual.


E o homem, enquanto comunidade, tem a ORDEM de dar nome aos animais, de coordená-los, e Deus se ausenta do jardim. Para que o homem possa construir um mundo que o retrate / espelhe de algum modo, o Senhor Deus voluntariamente o deixa só, apenas eles, homem e mulher, para tomarem as decisões que julgarem acertadas.


O texto sagrado diz que, ao final da tarde, Deus PASSEAVA pelo jardim; Ele não estava fiscalizando o andamento das obras, verificando se tudo estava conforme a Sua vontade. Passeia quem está se deleitando, relaxando, "curtindo a vida". Na tarefa de criar mundos, Deus se sente tranqüilo e aguarda que Seus filhos lhe tragam, por prazer, os frutos da independência que Ele lhes deu!


Talvez a ausência da constante permanência divina seja a ausência citada por Rubem Alves. Talvez o fruto da árvore da vida represente, seja o símbolo, da ausência voluntária, por decisão unilateral, de Jeová. A outra grande lição é que a ausência não é, necessariamente, um mal, porque ela foi plantada no mundo por Aquele que o planejou e executou. A ausência é divina na sua origem, e é a partir dela que a humanidade deveria ter torneado a natureza.


A cultura humana é um mandato divino - ou melhor, faz parte da constituição do homem por decisão soberana do Criador. Ser homem / mulher é ter a necessidade vital de construir mundos que transcendem o indivíduo, abrangendo a comunidade. Cultura humana é realização divina.


E se o pecado desvirtua o propósito original (e aqui pode ser entendido como a decisão humana de dizer que não aceita o vazio que Deus dá; o homem prefere criar, ele mesmo, a ausência que vai guiá-lo doravante), não o anula. No primeiro grande empreendimento humano, a Torre de Babel, o erro está no desejo da uniformidade: um único projeto, mega-projeto, com um único objetivo. E Deus força o homem a diversidade, impondo-lhe línguas diferentes, para que seu desejo de diversidade e criatividade prevalecesse.


Não é isto que o número de espécies de seres vivos, maior que o número das estrelas do céu, ou dos grãos de areia da praia, demonstra?


Criatividade, diversidade cultural, são intenções divinas. Neste momento me questiono se a constante fragmentação do mundo evangélico não seria uma tosca realização deste mandato divino...


E no Apocalipse, o apóstolo João conta que a realização humana é plenamente incorporada nos novos céus e terra. O que ele vê descendo do céu: um novo Éden? Não, uma cidade. Cidade é idealização humana, construção humana. A vida eterna não é um regresso ao paraíso perdido, mas a redenção de tudo aquilo que construímos, enquanto humanidade, na nossa trajetória.2

 

 

1 Alves R O que é religião, 2a ed, Editora Brasiliense, SP, 1981

2 Ellul Jacques Apocalipse, Estrutura em movimento, Editora Paulinas, SP, 1979

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